Conhecem a história comovente daquele rabino que percorria a chorar as ruas da cidade? Perguntaram-lhe: “Porque choras?
– Choro porque o Eterno, bendito seja Ele!, encheu-me o coração de respostas, mas ninguém me faz perguntas”. Podemos viver sem nunca colocar perguntas? E será que é lícito colocar perguntas sem ir à procura de respostas? E se o próprio Deus veio para iluminar o caminho dos homens, não haverá ninguém que se abra à sua luz? Já o profeta Jeremias estava perturbado com o lamento divino: Eles abandonaram-Me, a Mim que sou a fonte da água viva, para abrirem cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água.
E eu, pobre servidor de Deus, embaixador de Cristo, transportador de um tesouro num vaso de argila, a Igreja confiou-me as inesgotáveis misericórdias do Senhor, a palavra santa que liberta as almas cativas e cura os corações dilacerados, o sacramento de uma ternura que não se irrita, que não tem em conta o mal, que tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O Mestre colocou no meu coração e nos meus lábios a sua resposta a todos os pecados do mundo – mas ninguém me pede o seu perdão.
Crise e renovação
Ninguém? Estou certamente a exagerar. A verdade é que eu próprio sou testemunha duma autêntica renovação do sacramento de Reconciliação. Esta renovação não é evidentemente quantitativa, pelo menos por agora. Não sei dizer se foram feitas estatísticas, mas é evidente que há um abismo entre a prática actual deste sacramento e a que havia na altura do Concílio Vaticano II.
Jovem padre, vigário de uma paróquia de cidade, passava todos os sábados pelo menos duas horas no confessionário.
Como os tempos mudaram! Em contrapartida, há lugares, há tempos, há comunidades em que os fiéis descobrem ou redescobrem a graça do perdão sacramental.
Confessam-se mais, e sobretudo, confessam-se melhor. Para o próprio confessor,é um testemunho por vezes impressionante. O seu amor a Jesus, enche-os de um arrependimento profundo, a sua atenção à Palavra de Deus permite-lhes identificar os pontos muito concretos onde devem operar uma conversão, a sua fé viva faz deste sacramento um verdadeiro encontro com o Senhor, na alegria e na acção de graça.
Diria com toda a sinceridade que o sacramento de Reconciliação está ao mesmo tempo “perdido” e “reencontrado”.
É ignorado por um número muito grande, esquecido por numerosos católicos, mesmo por aqueles que se dizem praticantes; até é, por vezes, radicalmente rejeitado. Mas nos encontros de jovens, e não apenas nos Movimentos Juvenis, os padres passam horas a acolhê-los, frequentemente pela noite dentro; para muitos é a sua primeira confissão, uma autêntica conversão, uma revelação.
Nas comunidades novas, a Reconciliação faz parte da vida normal de todo o autêntico discípulo; é a abertura ao Espírito Santo, lugar de verdade, de cura, de crescimento. Nos retiros espirituais, nos Centros Caritativos, ou em outros locais, o sacramento é muitas vezes um momento decisivo na caminhada das pessoas. Enfim, em cada vez mais paróquias, uma adesão pastoral na linha da nova evangelização faz-se acompanhar por um despertar espiritual, apoiado na Eucaristia (em particular a adoração) e a Reconciliação.
Sacramento quatro
Decididamente, este quarto sacramento é actual, mais do que o que se imagina.
Não estamos habituados a dizer “o quarto sacramento”.
Contudo parece-me que o seu lugar, nos sete tradicionais, não deixa de ter significado. Os três primeiros sacramentos são os sacramentos da iniciação cristã, os sacramentos que conferem a Vida: tornamo-nos cristãos pelo Baptismo, pela Confirmação e pela Eucaristia. Os dois sacramentos a seguir são sacramentos de cura; permitem renascer, quando a Vida que nos foi dada, foi ameaçada, directamente pelo pecado (sacramento de Reconciliação) ou indirectamente pela doença (Unção dos Doentes). Finalmente, os dois últimos sacramentos consagram para uma missão que é a de comunicar esta Vida, directamente (a Ordem) ou indirectamente (o Matrimónio).
O lugar central do sacramento de Reconciliação no meio dos sete sacramentos pode causar-nos estranheza; podemos também admitir uma pura casualidade.
Contudo, a estrutura da linguagem raramente é efeito do acaso. O que é dado pelos primeiros sacramentos pode ter sido perdido; que miséria se não houvesse um sacramento para no-lo restituir, para no-lo perdoar!
Da mesma forma, como dar aos outros o que abandonámos?
Não será necessário recuperar o dom de Deus, e encontrar-se a si mesmo, para poder dar e ao mesmo tempo dar-se? Entre as demissões sempre possíveis, e as missões sempre necessárias, há lugar para uma remissão, insubstituível.
E, em francês, temos uma entrevista com o autor deste livro:
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