presença do pecado e do perdão (1.ª leitura) feito amor (Evangelho) e gratuidade como estilo de vida, “tudo é graça”, tudo recebemos de Deus (2.ª leitura). É um domingo que valoriza o encontro da vida cristã “como a história de dois enamorados. Deus e o homem encontram-se, procuram-se, descobrem-se, celebram-se e amam-se: precisamente como o amado e a amada no Cântico dos Cânticos” (Papa Francisco).
Entre tantas nuances por onde pode passar a nossa reflexão, deixo o Salmo 31 (32): “feliz daquele a quem foi perdoada a culpa e absolvido o seu pecado”. Não se trata de “cobrir o pecado”, como pretendia Lutero ao fazer a exegese de Rom 4,7 sobre o problema da justificação, mas de “arrancar” o pecado. Deixo um aceno para o poema final “Madalena”, uma dialética entre o rio e o mar. O rio tem sempre um mar que o deseja. O pecador termina por ser amado totalmente por Deus, quaisquer que sejam os escombros por onde tem que passar (o rio) até chegar aos braços de Deus (o mar). Bom Domingo.
1. Introdução
Um Domingo marcado pela misericórdia: presença do pecado e do perdão (1.ª leitura) feito amor (Evangelho) e a gratuidade como estilo de vida, “tudo é graça” (2.ª leitura).
Dois personagens centrais em dois encontros: David que é perdoado e a mulher pecadora (Madalena) que é agraciada. Bom domingo.
2. 2Samuel 12,7-10.13
2.1 Texto
Naqueles dias, disse Natã a David: «Assim fala o Senhor, Deus de Israel: Ungi-te como rei de Israel e livrei-te das mãos de Saul. Entreguei-te a casa do teu senhor e pus-te nos braços as suas mulheres.
Dei-te a casa de Israel e de Judá e, se isto não é suficiente, dar-te-ei muito mais. Como ousaste desprezar a palavra do Senhor, fazendo o que é mal a seus olhos? Mataste à espada Urias, o hitita; tomaste como esposa a sua mulher, depois de o teres feito passar à espada pelos amonitas.
Agora a espada nunca mais se afastará da tua casa, porque Me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o hitita, para fazeres dela tua esposa”. Então David disse a Natã: «Pequei contra o Senhor”. Natã respondeu-lhe: «O Senhor perdoou o teu pecado: Não morrerás».
2.2 Perdão total
Apesar do abismo do mal de David, Deus tem compaixão dele e dá-lhe o perdão.
David olha para Deus como Senhor da sua vida e o único que o pode fazer renascer.
3. Salmo 31 (32)
3.1 Arrancar o homem ao pecado
Lutero, comentando a Carta aos Romanos 4,7, que cita o versículo do Salmo que estamos a apresentar (…) serviu-se deste verbo (kasah, cobrir) para argumentar que o pecado não é perdoado, mas apenas «coberto» pela justificação pela graça. Em boa verdade, o valor simbólico do «cobrir» bíblico traduz, sem qualquer dúvida, a anulação efetiva e eficaz do pecado por parte de Deus. Biblicamente falando, «cobrir» ou «perdoar» o pecado não significa simplesmente «esquecer» o pecado, passar por cima do pecado, mas, mais intensamente, «arrancar» o homem ao pecado, o que constitui um milagre só ao alcance do poder de Deus. Santo Agostinho tinha em grande apreço este Salmo. Afixou uma cópia na parede do seu quarto, diante do seu leito. E lia-a entre lágrimas, o que lhe trazia grande paz e conforto, sobretudo durante os últimos tempos da sua doença de que veio a falecer. (Dom António Couto)
4. Gálatas 2,16.19-21
4.1 Texto
Irmãos: Sabemos que o homem não é justificado pelas obras da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo; por isso acreditámos em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei, porque pelas obras da Lei ninguém é justificado. De facto, por meio da Lei, morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Com Cristo estou crucificado. Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Se ainda vivo dependente de uma natureza carnal, vivo animado pela fé no Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim. Não quero tornar inútil a graça de Deus, porque, se a justificação viesse por meio da Lei, então Cristo teria morrido em vão.
4. 2 Recebemos de Jesus Cristo a graça
Este texto de Paulo é toda uma pedagogia da fé. Estando dentro de nós a presença dinâmica, que arde e que queima, a pessoa de Cristo, já não somos pessoas clonadas e presas a hábitos, mas recebemos de Jesus Cristo a graça viva numa diversidade de amor que pode, porém, percorrer caminhos do nosso tempo desabituados à graça, à gratuidade e ao amor. Nesta Palavra viva Paulo diz-nos claramente que não se pode comprar o perdão, não se pode comprar a graça, a justificação, pois tudo isto é dom, dom vivo dum amor, dum amor de Deus que não permanece como ideia ou entidade abstrata, mas que se tornou presença, pessoa, rosto, amor, ternura em Jesus.
5. Lucas 7,36 – 8,3
5.1 Texto
Naquele tempo, um fariseu convidou Jesus para comer com ele. Jesus entrou em casa do fariseu e tomou lugar à mesa. Então, uma mulher – uma pecadora que vivia na cidade – ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com perfume; pôs-se atrás de Jesus e, chorando muito, banhava-Lhe os pés com as lágrimas e enxugava-lhos com os cabelos, beijava-os e ungia-os com o perfume.
Ao ver isto, o fariseu que tinha convidado Jesus pensou consigo: “Se este homem fosse profeta, saberia que a mulher que O toca é uma pecadora». Jesus tomou a palavra e disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa a dizer-te”. Ele respondeu: «Fala, Mestre”. Jesus continuou: «Certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e os outros cinquenta. Como não tinham com que pagar, perdoou a ambos. Qual deles ficará mais seu amigo?» Respondeu Simão: «Aquele – suponho eu – a quem mais perdoou ». Disse-lhe Jesus: «Julgaste bem».
E voltando-Se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não Me deste água para os pés; mas ela banhou-Me os pés com as lágrimas e enxugou-os com os cabelos. (…) Por isso te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama». Depois disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados». (Então) Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz». (…)
5.2. Força do encontro
Esta mulher só sabe amar. Passa por cima do ritual, perfuma os pés de Jesus e deixa que o seu coração seja tocado por Ele. Em troca recebe tudo o que mais deseja: amor e perdão. «Muito lhe foi perdoado, porque muito amou.»