Depois de termos lido a parábola do juiz e da viúva, no Domingo passado, “sobre a necessidade de orar sempre, sem desanimar”, Lucas narra-nos, hoje, a parábola do fariseu e do publicano, sobre o modo de rezarmos. São dois os modelos de oração: um orgulhoso e outro humilde. É interessante notar como o narrador nos dá a chave de leitura, quer no princípio, quer no fim. Assim, a parábola é dirigida «para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros.» E conclui a parábola dizendo “Todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”. Temos também uma ocasião para revermos a profundidade espiritual das celebrações dos mistérios de Deus com os nossos cristãos. Não andarão por aí celebrações de sacramentos mais voltados para o social do que para a experiência dos mistérios divinos? A Lectio termina com um belo poema de Eugénio de Castro, onde se encontra o fariseu, personificado pelo Orgulho e o publicano, pela Caridade. Bom Domingo. Boa reflexão.
1. Introdução
Neste ano de Lucas estamos, cada vez mais ligados à oração, à humildade, aos pobres, aos órfãos e às viúvas, personagens próprios do seu Evangelho. O tema central é o da oração humilde dos ‘anawin’, dos pobres, que é sempre escutada por Deus, ao contrário da oração do publicano que não chega até Deus. Na segunda leitura, S. Paulo apresenta-nos o seu testamento espiritual.
2. Sirácides 35, 15b-17.20-22a (gr. 12-14.16-18)
2.1 Texto
O Senhor é um juiz que não faz aceção de pessoas. Não favorece ninguém em prejuízo do pobre e atende a prece do oprimido. Não despreza a súplica do órfão, nem os gemidos da viúva. Quem adora a Deus será bem acolhido e a sua prece sobe até às nuvens. A oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino. Não desiste, até que o Altíssimo o atenda, para estabelecer o direito dos justos e fazer justiça.
2.2 Oração dos pobres
Este pequeno texto é uma bela lição sobre a oração feita com humildade. Lembremos o canto do Magnificat. Aparecem, assim, os pobres, que nada têm para dar em troca, os órfãos, os que perderam as raízes do afeto, as viúvas e os oprimidos, gente marginal sob o ponto de vista social mas amados por Deus. A força da sua oração é atendida: “atravessa as nuvens e não desiste sem ser atendida”.
3. Salmo 33 (34), 2-3.17-18.19.23 (R. 7a)
3.1 Texto
Deus está com o homem. Este Salmo 34 vem confirmar o que lemos na primeira leitura. O Senhor escuta o clamor dos pobres, dos Seus servos, para os livrar das suas angústias, mas também para apagar da terra a memória dos soberbos que fazem o mal. Deus segue o homem como seu libertador. Leva-o à salvação.
4. 2 Timóteo 4, 6-8.16-18
4.1 Texto
Caríssimo: Eu já estou oferecido em libação e o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há de dar naquele dia; e não só a mim, mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a sua vinda. Na minha primeira defesa, ninguém esteve a meu lado: todos me abandonaram. Queira Deus que esta falta não lhes seja imputada. O Senhor esteve a meu lado e deu-me força, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todas as nações a ouvissem; e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Ámen.
4.2 Testamento espiritual
Paulo abre o seu coração e descreve as memórias como animador da comunidade. Entrega-se a um Deus profundamente amado. Vive sob o fascínio de Jesus. Faz uma leitura interior, espiritual pelo dom da vida. Vive uma solidão profunda, a solidão dos amigos de Deus. Passa pela purificação da solidão humana, porque o abandono da parte das pessoas queridas ou dos amigos é um grande sofrimento, mas é também um acontecimento da passagem de Deus, que purifica. Sob uma aparente nulidade e fracasso sentiu a interioridade de Deus. Confiança total em Deus, iluminado pela fé. Termina nesta bela síntese: “combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé”.
5. Lucas 18, 9-14
5.1 Texto
Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».
5.2 Como devemos orar
Em dois quadros, Lucas dá-nos a chave de interpretação da parábola. Dirige-se “para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”. Fala-nos duma fronteira, duma situação-limite. São estranhas as declarações feitas pelo fariseu que transforma a sua oração numa lógica humana, baseada na observância formal da lei. Diz-se diferente do pobre publicano que, no fundo da igreja, nada valoriza do que tem feito repetindo sem cessar: “pequei, Senhor”, “pequei, Senhor”. Jesus conclui: “”Quem se exalta será humilhado; quem se humilha será exaltado”.