Lectio divina: Domingo de Ramos (ano C)

Como já se tornou hábito, o Pe. Rocha partilha connosco a sua meditação sobre as leituras deste Domingo tão especial.

Domingo de Ramos. Quem não recorda a sua infância: a procura de verdes, os ramos levantados ao ar, a mística duma primavera florida coma presença misteriosa de Deus. Eram ramos milagrosos para proteger as terras e as casas. Uma liturgia transparente. Romano Guardini escreveu que só entenderemos a liturgia cristã se nos aproximarmos dela como uma criança se abeira dum brinquedo.

Iniciamos a grande semana. À história de amor frágil seguem-se cobardias, inseguranças, vozearia oca de gente amotinada. É surpreendente o amor que se dá ao infinito: a intimidade da ceia, a tragédia da morte do Senhor e a alegria indizível em que o finito toca o infinito, o presente a eternidade, o hoje em mim com a ressurreição. Estendo os meus braços frágeis para acolher o meu Senhor, o Deus da vida. A cruz não se entende, contempla-se. É eloquente o gesto de ajoelhar, de nos prostrarmos diante da cruz, com a profunda significatividade de tocarmos a terra que um dia nos irá receber. “O que me leva a crer é a cruz, mas aquilo em que acredito é a vitória da cruz: a ressurreição” (Blaise Pascal).

Senhora da agonia, Mãe da lancinante dor, Mãe do filho flagelado e morto na cruz, Senhora da Misericórdia, contigo queremos viver esta semana maior da alma cristã. Santa Semana Maior.

1. Introdução
Domingo de Ramos. Verdes da montanha juncam a estrada. Jesus avança aclamado pelos discípulos e pela multidão e rejeitado pelos judeus, os fariseus. Nasce no povo um entusiasmo real, recordando o rei David. Jesus é aclamado com “vivas” messiânicos: “hossana”, “ó rei da glória”, “bendito o que vem em nome do Senhor”. A multidão que O aclama é a mesma que diante do pretório de Pilatos O vai acusar de ser agitador do povo, por isso tem que ser crucificado. A Liturgia de hoje apresenta-nos o dramatismo da Sua Paixão e Morte, paradigma da nossa existência. Iniciamos a Semana santa, a Semana Maior, A SEMANA DO ACONTECER CRISTÃO.
2. Is 50,4-7
2.1 Texto
O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o senhor Deus veio em meu auxílio, e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido.
2.2. O Terceiro Cântico do Servo de Javé
O Terceiro Cântico do Servo de Javé reflete esta experiência dura da dor e o sentimento da confiança colocada em Deus. Este “Servo de Javé” antecipa a figura de Jesus Cristo na Sua Paixão e Morte. Depois de provado será exaltado.
3. Salmo 21 (22)
3.1 Este Salmo começa com a lamentação e passa, em seguida, para a consolação por ver Deus ao nosso lado, e termina na exultação. Algumas vezes repetimos os versículos deste salmo. «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» “Todos os que me veem escarnecem de mim… meneiam a cabeça… Repartiram entre si as minhas vestes e deitaram sortes sobre a minha túnica… Vós, que temeis o Senhor, louvai-O, glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob, reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel”.
4. Filip 2,6-11
4.1 Texto
Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.
4. 2 Hino cristológico
Este magnífico hino cristológico tem a sua origem na cruz. Jesus obedece ao Pai, despojase de tudo, desce à situação humana violenta, degradante. Uma vez ressuscitado, estará à direita do Pai como Senhor de toda a Criação.
5. Lc 22,14 – 23, 56
5.1 Texto
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-nO a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem». (…) Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também». Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? (…) Ele nada praticou de condenável». E acrescentou: «Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza». Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso». Era já quase meio-dia, quando as trevas cobriram toda a terra, até às três horas da tarde, porque o sol se tinha eclipsado. O véu do templo rasgou-se ao meio. E Jesus exclamou com voz forte: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito». Dito isto, expirou. Vendo o que sucedera, o centurião deu glória a Deus, dizendo: «Realmente este homem era justo».
5.2. O mistério como centro
O centro da liturgia de Lucas é a meditação da totalidade do mistério. Não interessam os elementos da cronologia, mas, sim, a meditação sobre o mártir e, o mesmo se diga, da própria igreja mártir ao longo dos tempos. Dizia S. João Paulo II: “A cruz é o ponto culminante da revelação e da atuação da misericórdia de Deus com o mundo de hoje, vítima de profundos desequilíbrios, de perigos, de ameaças e de grandes desilusões”. (Dives in misericordia).
5.3 Contraste de Lucas com outros evangelistas
Lucas não faz paralelismos com as profecias messiânicas do Antigo Testamento. Preocupa-se mais com a ação dos personagens, como é próprio do seu evangelho: as mulheres, Pedro, o carrasco, o bom ladrão. Lança a culpa sobre os personagens judaicos e não sobre os romanos. Pela sua delicadeza evita as descrições de sangue.

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