Na loja do pai não existia esta idade

Quem sabe quantas vezes o vosso pai desabafou convosco: «Quanto tinha a tua idade, não podia pensar assim; na tua idade tinha de ganhar o pão para comer!» Ou ainda: «Quando era pequeno tinha de obedecer ao meu pai; agora que adulto, tenho de fazer o que querem os meus filhos!»
Não penseis que os vossos pais vos estão a contar mentiras: dizem a verdade.
Há cinquenta anos, a vida em Portugal era diferente. Ainda não tinha surgido a civilização industrial e a maior parte dos portugueses vivia em pequenas aldeias, dedicando-se à agricultura e ao artesanato.
Neste contexto, a única idade digna de consideração era a idade adulta. O rapaz, enquanto não fosse para a tropa, tinha poucas possibilidades de se afirmar.
Para a rapariga as coisas eram piores, porque só o casamento a libertava da autoridade do pai… para a colocar sob a autoridade do marido.
Os filhos aceitavam com serenidade esta situação porque desconheciam outras. A vida na aldeia não tinha janelas abertas para o mundo e os filhos faziam o que tinham aprendido dos pais, para o ensinarem, por sua vez, aos filhos.
Os filhos, na imensa maioria dos casos, eram destinados a exercer a mesma profissão dos pais.
Se o pai era agricultor, o filho tinha de ser agricultor, e artesão se pertencia a uma família de artesãos. A rapariga aprendia a fazer os trabalhos domésticos para se tornar numa boa mãe de família.
Os filhos aprendiam dos pais que, tendo começado cerca de vinte anos antes, obviamente sabiam mais que eles. Não deveis imaginar que uma tal situação era insuportável!
Em cada família havia cinco ou seis filhos, mais os sobrinhos do irmão casado, mais os avós, mais a tia solteira… Numa casa tão cheia, com a vida muito mais dura que a de hoje, os filhos não corriam o risco de serem sufocados pelo afecto dos pais.
A partir dos anos 60, a sociedade portuguesa foi-se transformando e começaram as mudanças: a fuga das aldeias para as cidades; o aumento da industrialização; o fim da família «patriarcal»; o aparecimento da televisão que faz entrar nas casas usos e costumes de todos os povos; etc.
Há um outro factor de mudança sobre o qual gostaria que te detivesses um pouco mais: a escola preparatória obrigatória e a consequente escolarização.
Com a escola preparatória obrigatória, os filhos deixaram de aprender unicamente dos pais e acontece que, em grande parte das famílias, o filho de 13 anos passa a ser mais instruído que os pais.
Foi este o momento em que o relacionamento entre filhos e pais, entre adultos e jovens começou a andar mal.
Falemos de uma outra realidade: o famoso Maio de 68. Simplificando um pouco as coisas, podemos afirmar que foi o início da atenção prestada às diferentes idades da vida. A idade juvenil tornou-se central; para os mass media tudo a partir de agora, para ser válido, deve ser jovem… Esta calça é jovem, a motorizada torna-te jovem, a coca-cola dá juventude… E atrás da juventude depressa se colocaram a adolescência e a pré-adolescência.
Naqueles anos adquiriu importância uma nova ciência: a psicologia. Esta fez desabar definitivamente a convicção de que a única idade importante fosse a adulta.
Detivemo-nos sumariamente nestes dados históricos, porque saber como as coisas aconteceram é sempre o primeiro passo para perceber as pessoas.
E vós já percebestes que, se quereis que os vossos pais vos entendam, deveis também vós fazer o esforço por entendê-los.
Falemos rapidamente de um problema que a princípio poderá parecer estranho:
Com que adultos se encontra o pré-adolescente neste momento de crescimento?
Não se cresce com os sonhos que se têm de noite ou de olhos abertos, mas com as dificuldades que se conseguem superar no relacionamento com os outros.
Por outras palavras: o pré-adolescente que quer ser protagonista do próprio crescimento, deve ter uma visão clara dos adultos com quem vive:
pais, professores, educadores, pároco… Vamos explicar isto melhor nas linhas que se seguem.

O adulto: dou dois murros na mesa

Há um adulto que levanta a voz a grita: «Aqui quem manda sou eu! Tu está calado que ainda não percebes nada! Se experimentas regular-te pela tua cabeça, vais depois ouvir-me…».
Este tipo de adulto (que obviamente existe em várias cores e diversas tonalidades) frente à pergunta: «Porquê?», responde: «Porque sou eu que o digo!». É um adulto que enerva a gente nova, e isto ainda não é o pior! O mal é que o autoritarismo produz rebeldes ou fracos ou violentos.
Se há um vosso colega de escola que quer ter sempre razão, que está sempre pronto a utilizar modos violentos (certas brincadeiras de mau gosto com os mais fracos), tende a certeza que convive com um adulto que o trata com esses métodos.
Um outro tipo infeliz produzido por adultos autoritários é aquele que está sempre pronto a dizer sim e a inclinar a cabeça diante da autoridade.
É um tipo fraco. Se encontrardes algum rapaz ou rapariga assim, não o gozeis mas ajudai-o a conquistar um pouco de orgulho e de coragem. Se se comporta assim, a culpa não é sua!
Se algum de vós tem um pai ou uma mãe autoritária, que deve fazer? Atirar-se da janela abaixo? Nem a sonhar. Deve esperar pacientemente pelos momentos em que o duro é mais maleável, para pedir explicações. Se o pai chegou naquele momento do trabalho muito aborrecido e vós ides pedir-lhe para sair de casa não se sabe para onde, é evidente que não dará uma resposta serena.

O adulto: faz o que quiseres!

Há ainda o adulto que diz várias vezes que não… e no fim exclama: «Faz o que quiseres; vai onde quiseres!» É o adulto que um dia nega, e no dia seguinte aprova. A definição técnica é «permissivo». Também este tipo de adulto cria problemas de crescimento e o pré-adolescente que o tem perto de si corre o risco de se tornar num inseguro.
Aos 13 anos finge-se conscientemente que se sabe tudo, mas sabe-se muito bem que não é verdade.Nesta idade, um comportamento «lunático» do adulto não ajuda nada a perceber a realidade das coisas.
Quantas vezes não vos sucedeu terdes decidido estudar toda a tarde, e chegou um amigo para vos convidar a jogar? Dissestes ao amigo: «Espera que vou perguntar à minha mãe!».
E, no vosso íntimo, esperáveis que a vossa mãe vos dissesse que não, de modo a encontrardes desculpa para não irdes, descarregando as culpas para a vossa mãe: «Ela não me deixa sair!» Então pedistes licença para sair, e ela respondeu-vos que não: «Tinhas prometido estudar e, portanto, não sais!».
Vós, naturalmente, insististes. Mais uma vez, não. Mas, à terceira, a mãe acaba por encolher os ombros e dizer: «Faz o que quiseres, vai onde te apetecer! Vês como não és capaz de fazer aquilo que prometes? «Saístes a correr, e adeus estudo».
Uma outra expressão típica do adulto permissivo é: «Eu não estou satisfeito, mas tu faz aquilo que te parecer!» É a frase que vos deixa mais perplexos, porque tudo o que vós decidirdes vos deixará um amargo na boca.
Hoje, infelizmente, é muito fácil encontrar adultos permissivos e ambientes permissivos. Resultado: são cada vez mais os jovens que não sabem o que querem; que dizem e não fazem; que prometem e não mantêm a palavra.
Quem tem pais assim, tem uma triste sorte!
A única esperança é que o pré-adolescente encontre no seu caminho algum adulto capaz de lhe dar um pouco de coluna vertebral.


O adulto OK

Existe depois o adulto OK, isto é, aquele que definimos como «Autorizado». Aquele que, quando dá uma ordem, não grita nem muda, mas explica, motiva, explica.
Não diz: «É assim porque eu o digo!»; «É assim porque aqui mando eu!». «E assim porque sou o teu pai!»… Prefere dizer: «É assim por isto, por aquilo, por isto e por isto…» e não se cansa nunca de recomeçar as explicações.
Um adulto destes é como uma vara que se ata à plantazinha ainda frágil, para a ajudar a crescer direita. Quaisquer que sejam os adultos com quem vos encontrais a viver, recordai:
Não julgueis nem condeneis, porque se uma pessoa é assim significa que não foi ajudada a ser diferente.Não recorrais a mentiras, subterfúgios ou comportamentos falsos para vencer o medo que o autoritário vos incute: os rigorismos são pílulas que não fazem bem ao crescimento.
Não desembainheis a arma do «capricho» (chorar, fechar-se no quarto, bater as portas, repetir o pedido de modo obsessivo…) para derrubar a débil resistência do permissivo: as permissividades são xaropes que dão um alívio muito passageiro.
Calculai o momento mais oportuno e pedi explicações, depois pedi explicações, e voltai ainda a pedir explicações. «Mas é difícil!!!» De acordo, mas é o único remédio que ajuda a crescer.

“Mister” cérebro

Que devem fazer um rapaz ou uma rapariga de 12, 13, 14 anos para sair sãos e livres de toda esta confusão da pré-adolescência?
A pergunta é pertinente e exige uma resposta. Ei-la: felizmente, como todas as outras coisas que despertam, nesta idade também o cérebro dá um grande passo em frente.
Esta pequena massa de aspecto mole que o homem traz bem protegida por robustos ossos, precisamente no ponto mais alto do seu corpo como se fosse o periscópio de um submarino, e que entrou em actividade mesmo antes do nascimento, nesta fascinante e ingrata idade adquire uma outra velocidade.
Evitemos também a este respeito discursos complicados, a fim de nos fazermos entender até pelo leitor mais traquina.
Um momento de atenção: que relação existe entre a caixa de chocolates, a sopa e o fígado da mãe?
Uma criança de seis anos não seria capaz de estabelecer o nexo. Se encontra a caixa de chocolates à mão, come até se fartar, mesmo que falte pouco tempo para a refeição.
Depois, obviamente, não come a sopa e a mãe, que sofre do fígado, por causa da irritação, corre o risco de apanhar uma cólica.
No dia seguinte, se as condições são as mesmas, a criança fará a mesma coisa; a não ser que seja impedido pelo medo ao castigo ou pela sedução do prémio.
O cérebro do pré-adolescente, pelo contrário, atinge a capacidade de raciocinar deste modo:
«Se como o chocolate antes da refeição, a minha mãe, que sofre do fígado, sentirá um grande desgosto ao ver que não como a sopa que preparou com tanto carinho.
Portanto, eu primeiro como a sopa, talvez um pouco menos do que a que deveria. Em seguida, quando a minha mãe estiver entretida noutras coisas, ataco nos chocolates que estão à mão. Assim contento a minha mãe e a minha gulodice».
E se é o cérebro de uma menina que está a trabalhar, podemos captar este raciocínio: «O chocolate é a minha paixão, mas não o como porque depois aparecem-me furúnculos no nariz e o Jorge não dirá que sou muito bonita!»
Certamente que vos ristes ao ler uma explicação tão extravagante do desenvolvimento racional, mas possivelmente intuistes o motivo por que é que esta idade tem cada vez mais necessidade de explicações, e sempre menos de ameaças e de lisonjas: é o “mister” cérebro que, como periscópio, se ergue acima das águas e dirige o comando das operações, conseguindo descobrir ligações entre realidades aparentemente em tudo independentes.

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