«Basta! Não acredito mais na amizade. São tudo histórias! A amizade não existe porque cada qual se interessa com as suas coisas e, se te puder atraiçoar, não pensa duas vezes. Gostava mais dela que de mim própria; confiava-lhe tudo… E ela ria-se de mim com os outros».
A desgraça
Perder um amigo é sempre um duro golpe, mas aos quinze anos é uma verdadeira tragédia.
Parece desaparecer não apenas uma relação humana, mas o próprio sabor da vida.
Como seguir adiante sem aquela pessoa a quem se pode telefonar todas as vezes que se quer?
Como sair de casa sem ter a certeza de encontrar alguém que espera por ti na esquina?
Como encontrar o gosto de falar de si e de fazer confidências, sem uma pessoa disposta a escutar-te?
Superada com a pré-adolescência a fronteira das amizades vividas no âmbito da família, os amigos tornam-se como que um segundo «lar». São eles o «ninho quente» onde se sentem bem.
Insatisfeitos com o afecto familiar, atraiçoados pelos amigos, os adolescentes encontram-se verdadeiramente perdidos e afirmam que nunca mais acreditarão nessas «histórias».
«Acabou! Não devemos confiar em ninguém! Cada qual pensa apenas em si próprio!».
Felizmente que estas decisões duram pouco porque, no dia seguinte, os olhos encontram dois outros olhos suaves; um outro narizinho maroto que dá alegria. E os ouvidos escutam uma outra voz que chega directamente do coração.
A amizade… simpática
Como sempre, nem todos os males vêm por mal, e estes ardentes sofrimentos devidos a amizades desvanecidas ajudam o adolescente a amadurecer na capacidade de dar e receber amizade.
A primeira amizade, da qual se faz experiência na vida, é a amizade baseada na simpatia, isto é, num sentimento espontâneo, veloz, imediato, gratuito. Encontras o Paulo que, quando fala, move as mãos de uma certa maneira. Que simpático! E o Paulo torna-se «o amigo». Olhas para a Cristina como caminha, que forte! E a Cristina fica tua amiga. Vejam só como são estupendos os cabelos da Carla! E a Carla fica tua amiga. E como é que o Jorge não tem de ser teu amigo com aquele olhar tão sedutor?
A amizade… «caixote do lixo»
Estas amizades são muito quentes, muito envolventes… Muito possessivas!
Mesmo correndo o risco de me tornar antipático, defino estas amizades da seguinte maneira: amizades «caixote do lixo».
Tenho uma preocupação? Atiro-a para cima do amigo! Tenho uma coisa que me mói cá dentro? Telefono à amiga e descarrego as minhas ansiedades! Tenho um desgosto? Vou ter com o amigo e ponho-o às suas costas! É precisamente como o caixote do lixo ou o cesto dos papéis que está a um canto da sala. O desenho ficou mal feito? Enrugo-o e atiro-o para dentro.
Estas amizades acabam, ou porque o amigo se cansou de ser cheio ou porque encontrou de improviso um «caixote» mais «bestial», mais amoroso, ou ainda porque o «caixote» encontrou finalmente alguém sobre quem lançar as próprias aflições… De caixote passivo a caixote activo!
E eis as clamorosas afirmações sobre a amizade que não existe.
Mas que vida seria sem a amizade? Poder-se-ia viver sem amigos?
A amizade que cresce
Dos montes de cinzas destas amizades que de improviso despontaram e murcharam, pode germinar uma capacidade de amizade (activa e passiva) mais sólida?
«Pode!» Porque esta amizade não germina sozinha como certas plantas silvestres (e geralmente perigosas!), mas exige um assíduo, atento e também cansativo cultivo.
Conhecereis facilmente aqueles que não realizaram esta tarefa. São aquelas pessoas (adultos ou não) que procuram sempre receber, e nunca dar; que são incapazes de ler qualquer situação sem as lentes do egoísmo; são pessoas azedas, duras, com preconceitos.
Vede bem que não é feliz a sorte de quem não aceita o esforço por aprender a ter e a dar amizade! Também a Bíblia diz que nenhuma riqueza se pode comparar a um amigo verdadeiro.
Portanto, ao trabalho! As plantas a cultivar são: a fidelidade, a capacidade de escutar, a generosidade, a disponibilidade, a sinceridade, a discrição… Tudo coisas que não nascem espontaneamente na ponta de um nariz maroto.
É preciso lavrar o terreno, semear… com muita fadiga. Mas o que é a fadiga diante de um amigo «verdadeiro»?