«Há três meses conheci um rapaz formidável da minha idade. Julgava que tinha iniciado com ele uma amizade bela e construtiva. Gostava de confidenciar com ele, falar dos problemas dos jovens. Há dias, pelo contrário, de improviso, ele procurou… não sei se entendem. Senti uma grande repugnância.
É possível a amizade entre uma rapariga e um rapaz, sem que venha o sexo a estragar tudo?».
A hora da amizade
Ainda não há muitos anos, as relações «interpessoais» (isto é, não ligadas unicamente ao sexo) entre rapazes e raparigas eram praticamente nulas. Os rapazes iam à escola, ao trabalho, a praticar desporto, enquanto que as raparigas ficavam fechadas em casa. Elas não se interessavam nem de política, nem de desporto, nem de nada que fosse para além dos problemas domésticos: as tarefas caseiras e os filhos.
Os rapazes falavam pouco de problemas «sérios», porque «as raparigas não percebiam nada». As raparigas, por sua vez, adaptavam-se a esta situação e afirmavam: «Isso são problemas dos homens». Nunca ouvistes as vossas avós a falarem assim? Rapazes e raparigas honestos encontravam-se para namorar «oficialmente» e depois casar. Para além desta relação, existia a prostituição e o adultério.
Actualmente, graças a Deus, tudo mudou. Rapazes e raparigas vão à escola juntos, praticam desporto juntos, viajam em transportes públicos lado a lado, trabalham juntos, têm interesses comuns nos grupos, nas associações, nos sindicatos, na política. Pareceria ter chegado o momento em que rapazes e raparigas podem estar juntos para pôr em comum a inteligência, os sentimentos, os interesses. Por outras palavras, pareceria ter chegado a hora da amizade entre os dois sexos. Na prática, porém, quando no início da adolescência a relação entre um rapaz e uma rapariga ultrapassa, a nível dos encontros ocasionais e de grupo, para entrar numa relação nova de amizade, um ou outro querem queimar etapas, como cavalos que querem correr velozes em vez de ir a trote. E quando os dois conseguem manter o passo certo, intervêm «os outros» com ironias e ciúmes. E então chegam as desilusões, como no nosso caso.
Experimentar ou renunciar?
Que fazer, então? É preciso adaptar-se a estar juntos na escola, no comboio, na rua, no cinema, no trabalho, como se se vivesse ainda em espaços separados? Não seria correcto. O facto de estar juntos, lado a lado, rapazes e raparigas, fez perceber até aos de cabeça mais dura, que rapazes e raparigas têm riquezas enormes e maravilhosas que podem intercambiar para além da relação sexual.
Por isso, sobretudo nos mais jovens, é muito vivo o desejo de poder ser amigos sem implicações sexuais.
Muitas vezes ouve-se dizer: «Ele pode dar-me mais que uma amiga. A sua diversidade completa-me, faz-me crescer!». E é verdade. Mas então por que será que, pelo que se ouve dizer, são muito mais numerosas as derrotas que as vitórias?
Os ventos contrários
Nestes anos, juntamente com um inigualável e salutar melhoramento da relação rapaz-rapariga, desencadeou-se a pornografia que, disfarçada de força progressista, relançou a velha e triste convicção de que o encontro entre rapaz e rapariga tem de acontecer apenas da cintura para baixo. Deixemos de parte a pornografia «dura», na qual o homem e a mulher são apenas dois órgãos genitais. Pensemos em todas as transmissões «simpáticas» e nos filmes «inocentes» que abundam nas televisões, onde a mulher volta a ser um lindo corpo e basta. Por exemplo, as «simpáticas» meninas de certos programas de televisão muito em voga que, com seios e nádegas «super», dizem apenas banalidades. Como se pode imaginar uma amizade «verdadeira» com «bonecas» destas? E o que se lhes pode confiar, de que se lhes pode falar? Elas são objectos para tomar e consumir.
Estes «ventos contrários» acabam por condicionar imenso os rapazes e as raparigas. E então: amizade, adeus!
Mas a rendição, nunca
Mas não nos podemos render. A amizade é um bem precioso e vale a pena arriscar nela com os olhos bem abertos. Pode ser útil ter em conta as seguintes advertências:
1. Se toda a amizade é difícil e exige empenho, a de rapaz-rapariga, pelos motivos que vimos, exige
um suplemento de esforço, de lealdade, de transparência.
2. Além de todas as atenções que cada amizade exige, a de rapaz-rapariga deve ter em conta a ideia que o outro tem do sexo. Um rapaz ou uma rapariga «vulgares» que, com palavras, gestos, atitudes, tratam o sexo de forma banal e primitiva, não estão em condições de possuir um sentimento tão delicado.
3. O sexo não «pode ser deixado em casa», porque nós existimos apenas como sexuados. É importante, porém, colocar a própria sexualidade ao serviço dos sentimentos, das ideias, dos interesses, e não vice-versa.
4. A amizade realiza-se entre duas «pessoas» e não entre dois corpos. Quem cuida apenas do corpo e não dos sentimentos, é incapaz de uma verdadeira amizade.
5. Se toda a amizade é um «tesouro», a de rapaz-rapariga é um tesouro ainda maior. E os tesouros não se encontram em cada esquina. Nem por nada, as poucas amizades autênticas homem-mulher que a história conta, dizem respeito a santos. Basta citar a maravilhosa amizade entre Francisco de Assis
e Clara.
6. Para não falar de Jesus que, de modo absolutamente contestatário com respeito às ideias e costumes do seu tempo, contava, no círculo dos seu amigos mais íntimos, muitas mulheres.