Quando as palavras…

«Também eu estava do lado daqueles que protestam contra a pouca hospitalidade oferecida aos estrangeiros vindos do Terceiro Mundo, como, por exemplo, os cabo-verdianos. Também eu fiz uma bela redacção escolar contra o racismo em Portugal. Nunca tinha tido ocasião de viver perto deles, e não me custava nada estar do seu lado.
Depois, recomendada pelo pároco, pela Cari­tas… por todos, uma família de negros conseguiu um pequeno apartamento no meu condomínio. Acabou a paz. Um vaivém contínuo a todas as horas, barulhos nocturnos, gritos lancinantes de crianças, porcaria pelas escadas abaixo… Agora tenho medo de me estar a tornar… isso mesmo, racista… Começo a pensar também eu que esta gente deveria era estar na sua terra e em sua casa.
Sei que esta minha carta irá escandalizar alguém e será criticada por muitos. Mas apenas pelos que conhecem o problema através da televisão e dos jornais. A esses gostaria de os ver aqui, no meu lugar, à noite, quando queremos dormir e eles se põem a cantar, a tocar e a fazer trinta por uma linha»
.

A carta nada tem de escandaloso. Simplesmente é tão verdadeira, tão sincera, transparente e angus­tiada que pode tornar-se numa lição para todos.
Existe, de facto, também a propósito do racismo, o perigo de sermos bons, civilizados e progressistas apenas durante as mesas redondas e as entrevistas na televisão.
Os «peritos», que discutem o problema, habitam geralmente nos bairros residenciais onde não há o perigo de infiltrações incomodativas, de ruídos, odo­res e sabores estranhos.
Eles podem, portanto, afirmar-se sem esforço como anti-racistas. A sua bondade fica apenas no cérebro e não custa nada. É fácil declarar-se anti-racistas até ao momento em que o problema não nos pisa os calos.
Este anti-racismo é arriscado porque, sem fun­damentos, esvai-se ao primeiro impacto com a reali­dade, e porque leva a julgar e a condenar «com um coração duro» os outros, aqueles que devem com­partilhar a casa e o lugar de trabalho com os emi­grantes de cor negra.

Licença de racismo

Então aqueles que têm de sofrer na sua pele este novo e gravíssimo problema dos emigrantes de cor estão autorizados a tornarem-se racistas? Nem por sonho. Mas devem ser ajudados, e não condena­dos ou postos a ridículo. O anti-racismo verdadeiro, aquele de quem temos verdadeiramente necessidade, deve brotar de uma esforçada obra de conversão a nível de ideias, de opções de vida, de compor­tamento.

As ideias

Devemos atirar para longe a velha ideia de pátria, entendida como um pedaço de terra rodeado por fronteiras e defendido dos inimigos com armas. É necessário convencermo-nos que a nossa pátria é o mundo. Todos temos o direito de habitar, paci­ficamente, onde existe espaço e possibilidade de viver de modo digno. Onde está escrito que numa parte do mundo as pessoas devem viver apertadas e famintas, enquanto ali perto se está à larga e a viver na abundância? A terra é de todos, e não desta ou daquela raça. Se pensamos diversamente, devemos ter a coragem de admitir que tinham razão Hitler e os seus seguidores.

As opções de vida

Ao chegar a este ponto, devemos fazer opções decididas. Quem é o outro? Se o outro é um «irmão», tem o direito de viver junto de mim. As diferenças de raça, de religião, de cultura, de mentalidade são secundárias e superáveis. Entre irmãos há zangas, mas no fim todos ficam amigos; e, quando um se afasta, sentimo-nos tristes e sós.

Os comportamentos

Não é preciso espantar-se com as dificuldades que o encontro com o «diferente» comporta. O que é necessário é paciência consigo próprio e com os outros. O que conta é dar um corte radical na hostilidade, na desconfiança, no desprezo, na ideia de nos sentirmos superiores. Tudo coisas que suscitam nos outros comportamentos iguais.
A paciência, a compreensão, o acolhimento, a simpatia suscitam, pelo contrário, no outro a dis­ponibilidade a vir ao encontro, a mudar os pró­prios hábitos, a colocar-se em sintonia com o novo ambiente.
Essa família de negros, se se sentir rodeada de hostilidade, fechar-se-á em si própria e convencer-se-á daquilo que toda a gente parece estar convencida: «Eu em minha casa faço o que me apetece!»

É preciso ir à escola

Devemos todos «voltar à escola». Aqui entra na baila a função dos mass-média, sobretudo da tele­visão. Ela não se pode limitar a gritar ao escândalo quando um negro é maltratado e depois mostrar apenas os ricos, os sãos, os instruídos, os belos, os que acabam de chegar. Desta maneira, todos os que se apresentam sem riqueza, sem saúde, sem instru­ção, sem beleza serão vistos como gente que vem roubar-nos aquilo que nos custou tanto a adquirir.
Um grande trabalho deve ser feito pela Igreja. Jesus não veio ao mundo com o uniforme dos hebreus, dos romanos ou dos gregos. Veio ao mundo nu.
Para sermos cidadãos do mundo, de qualquer país do mundo, não são precisos uniformes e passaportes. Basta ser pessoas humanas.

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