Quando o pião pára

«Penso que perdi a fé em Deus. Antes eu rezava, falava-lhe, pensava nele. Tudo isto me dava uma grande consolação. Agora não sinto nada. Tento rezar-lhe, mas distraio-me. Por outro lado, para que falar com ele, se não me responde? De facto, ultimamente, tenho-me dirigido à parede do meu quarto. Coloco-me diante dela e falo… Pelo menos não crio ilusões numa possível resposta!».

O pião

Com uma palavra pouco simpática, diz-se que a criança é «egocêntrica». O significado é simples: a criança gira à volta de si própria como um pião. Vê e escuta tudo aquilo que a rodeia em função de si própria.
Também a ideia que a criança tem de Deus não foge a este mecanismo. Deus está ali para a servir, para a ajudar, para a consolar. E, infeliz­mente, pais, tias, educadores ainda acabam por radicar na criança esta convicção, tanto que, mui­tas vezes, será dificílimo tirá-la da cabeça até das pessoas adultas.
Quantas pessoas, precisamente quantos cris­tãos, não permanecem por toda a vida com esta visão «infantil» e instintiva de Deus! É a religião primitiva. Deus está ali à disposição do homem. Precisa-se de uma coisa? Pronto! Basta como orar a Deus, é suficiente oferecer-lhe um presente: uma oração, uma vela… E Deus escuta-nos.
Mas não acontece assim.
Então surgem as crises de fé (?) umas atrás das outras. «Isto Deus não mo devia ter feito»; «Ele não me escuta, e eu nunca mais ponho os pés na igreja!»
O que é que aconteceu realmente?
É a situação de muitos rapazes e raparigas (e de adultos). O menino «pião» cresceu e deu o lugar ao «homenzinho» com necessidade de se abrir aos outros. Os outros não estão ali para nos servir, mas para nos convidar a sair da nossa concha; para nos fazer sentir pobres se não lhes abrimos a porta.
Que aventura e que emoção para uma adoles­cente descobrir que há um jovenzinho, um «outro», que nada lhe deu como, pelo contrário, o fizeram o pai e a mãe, e contudo entra na sua vida e adquire mais importância para a adolescente do que aqueles que a embalaram e alimentaram.
É a capacidade de amar que chega e faz parar o pião; o amor, de facto, é o contrário do ego­centrismo. Deus não fica de fora desta maravilhosa fase de crescimento, e entra em crise a ideia que se tinha dele.

Não tapa-buracos mas «voz»

Infelizmente, muitas vezes esta «crise de fé» constitui o momento de abandono da prática religiosa para muitos adolescentes.
A criança, alimentada abundantemente com catecismos, orações e ritos até aos doze anos, passa agora a praticar o jejum. «Agora abandonou tudo», diz-se dela, e recomeça-se com um outro exército de crianças.
Precisamente no momento em que descobrem os outros que o chamam, que valorizam, que dão um sentido à vida, o rapaz ou a rapariga têm poucas possibilidades de descobrir o «OUTRO».
Por vezes não fica senão a insistência da mãe: «Vai à Missa! Tem vergonha: há três meses que não comungas!».

«Estou à porta e bato»

Em que consiste, realmente, esta «crise de fé»? É uma crise de crescimento.
É o abandono de um Deus que o homem queria ao seu serviço, por poucas moedas.
É o momento mais oportuno para conhecer o Deus da Bíblia que chama o homem a abandonar «a sua terra»; que se coloca à porta do «pião» e bate até que a porta se abra.
Seria bom que todos os adolescentes encon­trassem quem lhes anunciasse este Deus, este «Outro», que é o caminho através do qual se poderá andar, com equilíbrio, para acolher a todos os outros.
Falar com a parede? Já é alguma coisa, porque o muro é uma realidade diferente de nós, é um «outro».
Esperemos que, em breve, em vez do muro esteja um amigo mais velho, um grupo, um educador, um padre… Alguém que ajude a descobrir o Deus que chama.
Será uma aventura maravilhosa, da qual os olhos do rapaz, que fazem bater o coração à adolescente, serão apenas um pequeno, um pobre sinal.

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