1º anúncio: conteúdos (II)

O grande e principal conteúdo do 1º anúncio é a ressurreição de Jesus. Isso é pacífico...

Este artigo continua o artigo anterior.

“Ressuscitou” para dummies

Mas qual o significado da proclamação que Deus ressuscitou Jesus dos mortos? O que quer dizer anunciar esta acção de Deus como acção salvífica? Quando eu falo da ressurreição de Jesus não estou a falar de algo que aconteceu só a Ele. Falo de algo que diz respeito a Ele em relação a mim. Quando falo da ressurreição de Jesus estou a falar de algo importante para mim. Não posso anunciar a salvação sem me afirmar como envolvido e interessado. Então o que diz a ressurreição de Jesus?

Que palavras?

É impossível dizer em poucas palavras o que está em causa. Porque o acontecimento da Páscoa de Jesus é único e sem palavras. Supera todas as imagens e conceitos de que dispomos. Se a Páscoa de Jesus fosse um “voltar a viver” a coisa seria simples: bastaria imaginar o prolongamento da vida. Mas a Páscoa é mais.

A Páscoa quer dizer que um pedaço da realidade (Jesus de Nazaré) se tornou eterno. Construímos cidades, computadores, impérios. Mais cedo ou mais tarde tudo se torna obsoleto. Mais cedo ou mais tarde, o tempo tudo corrói. Mas a ressurreição de Jesus, não! O tempo e a entropia já não têm poder sobre a ressurreição de Jesus. Jesus de Nazaré, a sua humanidade, o seu corpo, entraram na esfera de Deus, do eterno.

Sim ao Pai

Ao longo de toda a sua vida, Jesus viveu apostado em fazer a vontade do Pai, em tornar realidade (na sua vida e à sua volta) a bondade e ternura de Deus. Com a mesma atitude enfrentou a oposição, o abandono dos amigos, a tortura e a morte. E tudo ofereceu ao Pai. Quando até a morte se tornou obediência ao Pai, Jesus torna-se perfeito na sua humanidade: nada falta à sua humanidade para ser transparência do projecto de Deus. E Deus confirma a sintonia entre a vida (até à morte) de Jesus e a sua vontade ressuscitando-o.

Para mim…

Este é o quadro cristológico para entender a ressurreição de Jesus. Mas o que é que isso muda na minha vida? Para lá do aplauso, do desprezo ou da indiferença que eu posso ter face a esses acontecimentos, o que é que isso altera na minha existência?

A Páscoa de Jesus permite à humanidade viver na presença de Deus em Jesus Cristo. E esta expressão inclui muita coisa: o discipulado, o seguimento, a escuta, a obediência, a comunhão com Jesus, a presença de Jesus em nós e de nós em Jesus… É simples: cada um de nós, nesta existência terrena, frágil, sujeita à morte, pode caminhar na presença de Deus. E estar na presença de Deus não é apenas estar frente a frente; é envolvermo-nos com Ele, é viver de tal modo que o mistério de Deus já não é realidade externa mas interior e fonte de acção. Em Jesus Cristo podemos aceder a essa possibilidade.

E isso provoca várias consequências

Acreditar

1 – Viver na presença de Deus em Cristo torna possível dizermos um sim sem reservas à vida e à sua vida e à sua história.

“Jesus ressuscitou dos mortos”. Porque é que aconteceu isso? Porque Jesus fez da sua vida um dom de amor, porque não viveu uma vida narcisista ou egoísta, mas uma vida dada. Com a ressurreição Deus confirma, aprova, a vida de Jesus. Confirma o sim que Jesus disse ao homem. Jesus “passou fazendo o bem”, libertando os que estavam submetidos ao poder do mal. As suas palavras eram palavras de amor. Os seus gestos eram libertadores. Com a sua acção Jesus disse sim à vida do homem. De toda a humanidade e em particular do pecador, aqueles de nós que sub-vivem escravizados pelo mal e pela morte. Não há ninguém que se tenha aproximado de Jesus e que Jesus tenha rejeitado. A nenhuma necessidade Jesus voltou as costas. Não há ninguém que tenha pedido cura ou perdão e a quem Jesus tenha dito “não”. Jesus é um “sim”.

Com a ressurreição, este sim de Jesus é revelado e proclamado como sim de Deus, definitivo, irrevogável.

A vida de Jesus não é apenas a história de amor de um homem que queria bem aos outros. É a história em que podemos reconhecer o amor de Deus traduzido em palavras e gestos humanos. O sim de Jesus à humanidade é o sim de Deus à humanidade. E o sim que Deus nos diz, permite-nos dizer sim a nós mesmos, à vida, àquilo que somos. Com os nossos limites, com os nossos pecados, com os nossos desejos.

O sim de Deus em Jesus permite ao homem dizer um sim definitivo à vida. Sem reservas. Um sim, mesmo quando há doenças, quando se fracassa, quando estou inconsolável, quando os deuses e prazeres do consumo nos deixam secos por dentro, mesmo quando os amores não apagam a solidão. Um sim sem reservas e sem condições. É a isto que chamamos fé.

São Paulo (e este ano está de moda) fala da justificação pela fé. Quando é que somos “justificados”, quando é que a nossa vida tem valor e dignidade aos olhos de Deus? Paulo vai dizer que é só pela fé. Paulo observa que nenhuma realização humana (rito religioso, obra de misericórdia…) pode dar “justificação”, pode tornar a vida humana verdadeiramente… vida. Apenas pela fé, pela aceitação do sim resultante da morte e ressurreição de Jesus isso é possível.

Esperar

2 – Este sim de Deus ao Jesus morto e ressuscitado torna possível uma atitude de confiança face ao futuro. Traga ele o que trouxer. Se Deus ressuscitou Jesus de entre os mortos, quer dizer que não há já na nossa vida situações tão negativas e mortíferas que bloqueiem definitivamente o futuro e a esperança. Que tornem impossível o bem, o verdadeiro e o belo, como regras de construção da vida.

Se para a humanidade há esperança até na morte (é o que diz a ressurreição do Senhor), então há esperança em qualquer coisa que possamos vir a encontrar. “Se Deus está por nós, quem será contra nós?” pergunta-se Paulo.

É verdade que a vida é dura e feia. Há muitas coisas pesadas que nos metem medo e deprimem. E que ameaçam a esperança. Tantas experiências em que a vida se mostra frágil: a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada (continuando a citar S. Paulo). O mundo é assim: crise económica, violência doméstica, genocídio, manipulação dos Media, traição, baixos salários. Forças poderosas a que não se consegue fugir. Mas diante de todos esses poderes, o homem de fé e de esperança sente-se vencedor por causa do amor de Deus que nos foi dado em Jesus Cristo, como fonte de esperança que não se degrada.

Amar

3 – Este sim de Deus, dito ao homem em Jesus, torna possível para nós uma postura de fraternidade. Sem reservas e sem condições. A partir do sim de Jesus nós também podemos agir como o bom samaritano Jesus. Eu acolho-te como tu és. Não precisas de ser bom, belo, inteligente, simpático, agradável. Fico contente com todas as tuas qualidades mas o “sim” que te quero e posso dizer não vem daí. Amo-te, com as tuas qualidades e defeitos, porque o sim que Deus me disse a mim, também, foi sem reservas, não dependente dos meus defeitos e pecados. Se Deus que disse um sim definitivo a Jesus, disse-o também à minha vida; logo eu sou capaz de te acolher como és, sem reservas. Amando-te precisamente naquilo que em ti é débil, pecador, frágil, não amável.

É esta experiência que está por detrás do amor aos inimigos, do dar a outra face. Não se trata de uma ética para super-homens ou para masoquistas

Quando nos batem a reacção natural é defendermo-nos e/ou respondermos na mesma moeda. Oferecer a outra face é uma possibilidade só para aqueles que se sentem de tal modo seguros que não se deixam condicionam nunca pelas acções (ou omissões) dos outros.

 

Resumindo: ao ressuscitar Jesus de entre os mortos, Deus deu à vida de Jesus um valor de eternidade, de absoluto, de definitivo. Aos olhos de Deus, definitivamente, o amor humano de Jesus pela humanidade torna-se proclamação do amor divino pelo homem. Isto faz que a nossa vida seja precedida por um amor incondicionado, seja sustentada por uma esperança incondicionada, seja chamada a desenvolver-se como amor incondicionado a Deus e amor, em Deus, aos irmãos.

Libertados

A afirmação da ressurreição lança as bases para as “virtudes teologias”. Mas lança também a base para afirmar a liberdade.

4 – O anúncio da ressurreição torna possível uma existência de liberdade. Estou neste mundo concreto. Estabeleço relações com pessoas, com sistemas sociais, políticos, económicos, culturais, ecológicos. Sou influenciado pelos media, pela educação que recebi e pelas forças poderosas do meu psiquismo. Tenho necessidades alimentares e de segurança.

Mas tudo isso não é já o fundamento último da minha existência. Não é já um condicionamento invencível.

Eu preciso de alimento, de abrigo, de salário, de aceitação social… Mas onde há necessidade, há medo. Medo de perder o que tenho, medo de não subsistir se falha qualquer coisa. Estamos amarrados entre a necessidade e o medo que dela nasce.

E vamos atrás de tudo aquilo e de todos aqueles que nos prometem segurança e resposta às nossas necessidades. Haverá preços a pagar mas aceitamos ficar na dependência de quem controla necessidades, medos e promessas.

O anúncio da ressurreição de Jesus diz que há algo mais. Que há uma vida, uma plenitude que vai para lá dessa lógica de necessidade e de medo. Que a vida pode suplantar a privação, a perda, a derrota e o desprezo.

O mundo pode tirar-me a vida mas a vida que me tira não é tudo. A ressurreição de Jesus diz que há algo mais. Posso viver no mundo, sem considerar o mundo como horizonte último da minha vida.

Quando acredito na ressurreição de Jesus não desaparece a minha necessidade de alimento, segurança, afecto… a vida não deixa de ser insegura, dependente de algo que me escapa ao controlo. Mas descubro que a minha vida é mais que essas dependências. Tenho necessidades e estou amarrado por elas. Mas estou livre. Há vida para lá dessas necessidades, medos e promessas: a vida de e em Jesus Cristo.

Tudo isto muda a vida de uma pessoa quando recebe o anúncio de Jesus ressuscitado. Torna-se possível acreditar, esperar, amar, viver com liberdade.

 

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