Três semanas e três situações que nos podem fazer pensar. Agora que as coisas vão acalmando, talvez seja mais fácil pensar.
A bronca do bispo Williamson
Na sequência do Concílio Vaticano II, um bispo (Lefevre) afastou-se cada vez mais da Igreja. Ele e um conjunto de seguidores sentiam que o Vaticano II era uma traição à Igreja. Com muita paciência os Papas Paulo VI e João Paulo II, foram mantendo as pontes abertas e evitando ruídos que aumentassem as hostilidades, ao mesmo tempo que afirmavam o compromisso com os ensinamentos do Vaticano II.
A certa altura o bispo Lefevre, que já estava velhote, resolveu ordenar como bispos 4 padres dos seus seguidores. Segundo o código de Direito Canónico, só se pode ordenar um bispo com autorização da Santa Sé. A ordenação de um bispo “à balda” (isto é sem estar em sintonia com o resto da Igreja, representada pelo Vaticano) é m atentado grave contra a comunhão da Igreja. E por isso o código prevê a pena de excomunhão. O bispo que ordena e os bispos ordenados nessas circunstâncias estão fora da comunhão dos crentes. Esta excomunhão é decretada latae sententiae. Quer isto dizer que é automática; não é preciso haver uma autoridade a fazer um papel a dizer que fulano está excomungado.
Desde o início, Bento XVI tem feito um grande esforço ecuménico. Para aumentar a comunicação e a comunhão entre cristãos diferentes. Para alargar as pontes. Seria lógico que também o fizesse com esse grupo dos que lefevrianos que recusam o Vaticano II. E esse diálogo custa. Dialogar é procurar comunicar com quem é diferente. E diferente em coisas importantes. E que defende, nas ideias e nas práticas, opções diferentes das nossas e que nós consideramos erradas. Mas mesmo assim a Igreja sempre foi estendendo as pontes para esse grupo.
Como sinal de boa vontade, nas vésperas dos 50 anos da convocação do Concílio Vaticano II, a Santa Sé levantou a excomunhão a esses 4 bispos. Como gesto de misericórdia. Como tomar a iniciativa para aumentar a comunicação.
O que é que acontece a seguir?
Vem-se a descobrir que um desses bispos, que habitualmente está na Argentina, deu uma entrevista a uma televisão sueca onde diz uma série de barbaridades. Entre as quais que não teria havido genocídio dos judeus pelos alemães, durante a 2ª guerra mundial.
E nos media aparece (por acaso? Duvido!) a sugestão que o Papa e a Igreja estão alinhadas com o racismo do tal bispo.
Isto é tragicamente irónico! Aquilo que nasceu como um gesto de abertura ao diferente, como misericórdia e bondade é assimilado às posturas mais violentas, mais agressivas.
É evidente que esta desinformação não nasce por acaso e que há sectores da sociedade que não perdem uma oportunidade de deitar a Igreja abaixo. Mesmo, como neste caso, recorrendo à mentira descarada.
Para que conste, para quem ainda tem a cabeça inquinada com toda a desinformação e incultura que circulou nos media, a Igreja e o Papa não tem nada a ver com negacionismos e racismos. O famoso bispo ficou apenas com a excomunhão levantada.
Só para perceber o sem sentido de tudo isto. Lembram-se quando o Papa João Paulo II foi visitar Ali Agka (o turco que o tinha tentado assassinar)? Será que com esse gesto de bondade e perdão o Papa estava a aplaudir o homicídio?
Mas para lá da má vontade de alguns, da mentira de outros e da ignorância de tantos católicos, é evidente que houve um problema de comunicação.
O serviço ao Evangelho passa também pela comunicação num mundo globalizado como o nosso. E essa comunicação não funcionou.
Não se trata aqui de perceber quem é o culpado, dentro ou fora da Igreja. O importante é reconhecer que temos ainda muito que crescer para não sermos apanhados nestas armadilhas. Claro que a solução fácil é metermo-nos no nosso cantinho, caladinhos, invisíveis. Renunciando às possibilidades e responsabilidades de comunicar o Evangelho em todos os areópagos.