Os textos são autênticas peças literárias. As mensagens que transparecem são intuitivas. Num sentido analítico, o nosso primeiro olhar vai para o que contemplamos na descrição de Amós (1.a leitura) ou na parábola do rico e do pobre (Evangelho). Em Amós encontramos um retrato caricato dos ricos. O que está em evidência é o desprezo dos pobres e o poderio dos ricos. No Evangelho encontramos elementos muito humanos, muito próximos dos comportamentos do homem de hoje. Senão vejamos: o rico não tem nome mas conserva o seu estatuto de rico. Fala ao pobre Lázaro, mesmo mendigando intercessão, como rico. Esquece-se de não lhe ter dado importância, de o ter como objeto desprezível. Nem uma migalha lhe deu. A experiência de abandonado fá-lo pedir pelos seus cinco irmãos. Mas, em nenhum momento deixa o seu estatuto. O rico nunca imagina que, um dia, pode ser pobre. Descobre a ideia de “inferno” (Lc)
como soma de infinitas solidões. Só depois de morto descobre a espetacularidade do “seio de Abraão” (Paraíso, céu). Finalmente, o nosso último olhar vai para o discípulo da Palavra que observa a história e faz dela uma leitura espiritual. Vê a terra cheia de Lázaros. Deus está nas suas feridas. Deus tem gravado nas Suas mãos os nomes dos seus pobres. No seu agir experimenta antecipadamente a história da salvação. Deus cuida da história humana como Sua obra-prima. “Onde mora Deus? Deus mora onde O deixamos entrar”. (Buber) (Ler Poema “Luz de Deus” – Uma leitura espiritual da vida do homem).
1. Introdução
O tema deste Domingo pergunta-nos se fazemos uma leitura espiritual do sentido da história. Leva-nos ao coração do Ano da Misericórdia: não somos donos dos bens de Deus mas Seus colaboradores na administração e na partilha com os mais carenciados (1.ª leitura). A carta a Timóteo traça-nos o perfil do “homem de Deus”. O Evangelho desmonta tantas seguranças ilusórias. A parábola esclarece.
2. Amós 6, 1a.4-7
2.1 Texto
Eis o que diz o Senhor omnipotente: «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria. Deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo. Improvisam ao som da lira e cantam como David as suas próprias melodias. Bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos, mas não os aflige a ruína de José. Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos».
2.2 Desilusão em falsas seguranças
Amós desmonta as frágeis seguranças do seu povo indolente, apoiado nos prazeres e na exploração do próximo. A parábola lucana do rico e do pobre Lázaro do Evangelho de hoje põe ao rubro esta realidade desumana. Os povos da Samaria irão despidos de tudo para o exílio.
3. Salmo 145 (146), 7-10 (R.1b)
3.1 Carrilhão musical
“É assim que o Salmo 146 nos convida a cantar os «doze belíssimos nomes» de Deus, decalcando aqui a expressão muçulmana que exalta os «noventa e nove belíssimos nomes » de Allah” (Dom António Couto). Neste Ano da misericórdia, que bela a descrição das obras de Deus: ilumina os olhos dos cegos, faz justiça aos oprimidos, ampara o órfão e a viúva, dá pão aos que têm fome…
4. 1ª Timóteo 6, 11-16
4.1 Texto
Caríssimo: Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé perante numerosas testemunhas. Ordeno-te na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Cristo Jesus, que deu testemunho da verdade diante de Pôncio Pilatos: Guarda o mandamento do Senhor, sem mancha e acima de toda a censura, até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual manifestará a seu tempo o venturoso e único soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita uma luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver. A Ele a honra e o poder eterno. Ámen.
4.2 Perfil do homem de Deus
Se Paulo iniciou a carta chamando a atenção para aspetos negativos, agora, termina-a fazendo uma série de exortações inspiradas na justiça, na piedade, na fé e na caridade, na perseverança, na mansidão. Faz ver a Timóteo que tem de ser “homem de Deus” travando um bom combate. O texto finaliza com uma bela “doxologia” que o levará até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo. É arrebatado pela beleza transcendente da Sua presença, “que nenhum homem viu nem pode ver”. “A Ele a honra e o poder eterno. Ámen”.
5. Lucas 16, 19-31
5.1 Texto
Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas. Ora sucedeu que o pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado. Então ergueu a voz e disse: ‘Pai Abraão, tem compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas chamas’. Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo, de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós, ou daí para junto de nós, não poderia fazê-lo’. O rico insistiu: ‘Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha casa paterna – pois tenho cinco irmãos – para que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento’. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés e os Profetas: que os oiçam’. Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos’».
5.2 Perda de valores
Esta parábola só existe em Lucas, o evangelista dos pobres. Em cena, o rico e o pobre. O rico domina nesta terra e até depois da morte. Não consegue perceber que já morreu. Todos os pedidos que faz partem do seu posto de ser rico. Não percebe que adorou ídolos durante a vida, iludido pelas riquezas. Agora está cego. Quer alguém que o compreenda, mas nem o Pai Abraão sabe quem ele é. Vive um drama. Os festins e as riquezas tiraram-lhe a lógica da salvação.