«Por que é que os professores não são imparciais? No meu exercício, cada erro é gravíssimo. No da minha colega, os mesmos erros são uma simples distracção. Quando sou interrogada, na primeira dúvida, começa o sermão: «Não sabes estudar. Vê-se que aprendes tudo de cantilena! Vê-se que não estiveste com atenção!». Quando a minha colega é interrogada, a música é totalmente diferente: «Diz o que sabes, coragem!».
Por que é que devem existir estas injustiças? Os professores não deveriam ser imparciais?».
Um perfeito enigma
A carta propõe um daqueles argumentos que nos deixam desarmados porque, qualquer coisa que se diga, no final, os professores permanecerão convencidos que são absolutamente imparciais e os alunos convencidos do contrário.
Apeteceria encerrar a questão com um: «Os professores não são parciais. Deixai-vos destas coisas e pensai em estudar mais!» Ou uma evasiva: «Os professores não são imparciais? Não façais caso. Cumpri o vosso dever e basta!».
Mas seria uma cobardia. Entremos corajosamente no labirinto.
O que é a simpatia?
A simpatia — diz o vocabulário — é uma inclinação instintiva que atrai duas pessoas. A palavra mais importante da definição é «instintiva», isto é, nasce por si só, sem a nossa vontade, sem a intervenção do controlo do cérebro. Encontras uma pessoa pela primeira vez e, «zás», torna-se para ti simpática, porque tem aquele nariz, aquele sorriso, aquela forma de caminhar, aquele penteado. Pelos mesmos motivos, a mesma pessoa tornar-se-á antipática para um outro, o qual dirá: «Tem um nariz que parece uma batata; tem um riso de macaco; uma forma de caminhar afectada; um penteado horrível».
Não há nada a fazer: a simpatia cai-nos em cima, não somos nós que a vamos procurar.
Efeito «auréola»
Mas que importância tem, se o João gosta do nariz da Joana? O problema é deles.
A coisa não é assim tão inocente, devido ao efeito «auréola». Isto é: se o vizinho da Joana nos é simpático, ela também será para nós valente e boa.
E se a cara do João nos é antipática, ele será para nós prepotente, ignorante, mau. Sucede assim que um é julgado como delinquente, simplesmente porque tem um horrível nariz.
E vamos ao caso dos professores. O professor interroga a Paula, que lhe é simpática, devido aos seus olhos azuis que lhe recordam a sua avó. Até aqui nada de mal.
Mas os olhos azuis criam uma «auréola» à volta da jovem, que portanto deve ser também formidável e os seus erros de gramática não passarão de distracções inocentes.
Pelo contrário, os erros da Cristina, cujo olhar finório lhe recorda o da sua insuportável vizinha do prédio, são uma demonstração de ignorância. Se a Cristina experimentar dizer alguma coisa, não obterá outro resultado senão confirmar a convicção da professora, a qual pensará: «Eu bem dizia que é uma aluna que não entende os seus erros!».
Mas se fosse a Paula a dizer à professora: «Veja, senhora doutora, que eu não sou assim tão boa aluna como pensa», a professora levantaria um dedo e afirmaria: «Eu sempre disse que a Paula é um amor de rapariga. Vejam só como ela é humilde!».
Que fazer?
Basear as nossas relações sociais e profissionais na simpatia é um sinal de grande falta de maturidade. E com os imaturos é difícil raciocinar. A única solução possível é a intervenção dos não directamente interessados.
Se na vossa turma se verifica um caso deste género, é necessário que sejam os colegas de escola a enfrentar o problema. Obviamente, com educação e boas maneiras: «Senhor professor, procure conhecer melhor a Cristina. Nós sabemos que ela é inteligente e que estuda».
Se, numa turma de 25 alunos, 23 intervêm a favor da Cristina, é provável que a professora mude de opinião. E, pelo contrário, é inútil que a Paula e a Cristina digam ou façam qualquer coisa.