«Que raiva! Alguns professores, (sobretudo o padre de Moral e Religião), estão continuamente contra os jornais desportivos, as fotonovelas e as revistas que falam de cantores e actores. Querem, a todo o custo, fazer-nos sentir que só os imbecis os lêem.
Mas que mal existe em ler essas revistas e jornais? Julgam que um jovem da nossa idade tem de estar todo o dia a ler jornais de política ou coisas do género? Que chatos! Eu julgo que é tudo um jogo para se sentirem superiores a nós».
Abençoado costume
Abençoado costume o das «pregações», o de querer impor aos jovens as conclusões de um raciocínio, sem ter a paciência e a humildade de fazer com eles esse raciocínio!
Experimentemos então raciocinar juntos, com serenidade… De ambos os lados.
Um edifício com seis andares
Imaginemos um edifício com seis andares.
Um amigo nosso habita no primeiro andar. Abre a janela e contempla o panorama. Vê coisas verdadeiras e justas? Certamente que sim! O passeio, a rua que dobra na esquina, o tronco de uma árvore, as portas das casas e, possivelmente, o caixote do lixo.
Um lindo dia, é convidado a subir ao terceiro andar. Vai à janela. O seu olhar chega mais longe. Repara que a rua continua para além da esquina e que os ramos mais altos da árvore estão a secar. Percebe também que o caixote do lixo podia ser tirado dali e colocado num sítio mais reservado.
Um outro dia, tem a oportunidade de subir ao sexto andar. A vista de cima é totalmente diferente. Há uma estrada que se vai perder no meio da vegetação, e das casas não vê apenas as portas, mas também os telhados.
É a mesma realidade, mas a partir de uma outra perspectiva, de um outro horizonte.
«Que tem a ver o edifício dos seis andares com os jornais desportivos, as fotonovelas e coisas afins?», direis vós.
A gordura no bife
Quem lê apenas jornais desportivos ou fotonovelas é como aquele que habita no primeiro andar e nunca sai dali. Não me venham dizer que goza de um lindo panorama.
O desportista X, pela centésima vez, responde à mesma inteligente pergunta: «Que fará domingo no campo?» «Nós faremos todo o possível para não desiludir os nossos associados; mas a bola é redonda!»
A cantora Y, numa entrevista, diz que inventou um novo visual, e que não é verdade que se vai divorciar.
«O actor Z fala do seu último filme, dizendo que foi para ele uma experiência muito interessante e tem a certeza que irá agradar ao público».
Tudo isto é verdade. Mas que incidência têm estas coisas na nossa vida? São como a gordura no bife. «Mas é um mal ler estas coisas?» Certamente que não! Às vezes, faz-nos bem distrairmo-nos e divagarmos. O mal começa quando uma pessoa não se decide a subir as escadas para subir para os andares superiores.
Permanecer envolvidos, de segunda a domingo, com o futebol; comover-se com o piloto da Fórmula l, que se enamora de uma jovem desconhecida, levar a sério as entrevistas das actrizes e dos cantores que apenas procuram que se fale deles… pode acontecer, mas a vida é muito mais do que isto.
Questão de níveis
Permiti-me que permaneça ainda no edifício dos seis andares.
No primeiro andar coloco os jornais de evasão: desporto, espectáculos, cantores, fotonovelas… Toda a imprensa que não se interessa em fazer-nos compreender, em ajudar-nos a raciocinar, a levar-nos a tomar uma decisão.
Nota bem: nem sequer falo das revistas e jornais de pornografia. Significaria que da janela víamos apenas o caixote do lixo. Com os seus maus cheiros.
No terceiro andar coloco os jornais e revistas de informação que fazem reflectir sobre a vida e sobre os fenómenos que a constroem, a condicionam, a melhoram ou a tornam pior: a política, a economia, os problemas sociais, a escola… o desporto, os espectáculos, a música, mas não vistos na óptica da competição e da idolatria.
No sexto andar coloco os «livros» ou os jornais que têm uma função semelhante à dos livros: conhecer a fundo, perceber e enfrentar os problemas da vida social, política, cultural e espiritual em primeira pessoa.
Os andares intermédios e o empenho de subir
«Por que é que do primeiro andar subiste ao terceiro e ao sexto?», perguntareis vós. Há revistas com algumas qualidades dos jornais e dos livros, assim como existem jornais que incluem material próprio de revistas.
O importante é não se deixar prender por um único panorama e impor a si próprios, mesmo com o esforço que a subida inevitavelmente comporta, o empenho de subir mais alto. Vós que (agora falo como os pais), ao comer o bife, retirais tudo o que é gordura, procurai, no respeitante à imprensa, não comer apenas a prejudicial gordura!
Um último apontamento: este discurso dos andares vale também para os programas de televisão, para a música, para o cinema. Não se pode viver apenas de telenovelas.