E o coração nunca mais pára de bater

A explosão dos sentidos

Todas as angústias dos adolescentes acabarão com a preocupação de ter um corpo amigo e belo? Isso é que era bom! O mal é que, dentro deste corpo, o coração começa a bater e nunca mais pára. Juntamente com os ossos e os músculos,
na adolescência, também os sentidos atingem a maturidade.
«O tacto» A pele torna-se sensível e desejosa de calor e de carícias. Chega o desejo, sobretudo nas raparigas, de vestidos macios e delicados; de caminhar de mãos dadas; de se sentar encostados uns aos outros.
Vede as adolescentes, de Inverno, na escola: encostam-se junto dos aquecedores como gatos ao borralho.

«A vista»

Surge o sentido estético, isto é, a capacidade de separar o belo do feio. Já falámos disto nas páginas anteriores.

«O odor»

Nasce a paixão pelos perfumes e a repulsa do mau cheiro.
As crianças da primária, se não fosse a professora a abrir as janelas para a mudança do ar, ficariam fechadas lá dentro uma semana inteira. Com os alunos do ciclo há um desejo contínuo de abrir as janelas. E, em casa, vão-se gastando misteriosamente os perfumes da mãe e o «aftershave» do pai.

«O gosto»

O medo dos furúnculos é a salvação da caixa de chocolates. Quem poderá descrever a glutonaria das adolescentes? E, atenção, rapazes, chega o período do tenebroso gosto pelo álcool.

«O ouvido»

Explode a paixão pelo stereo, que está sempre ligado. As canções entram no sangue e agitam os membros. É esta a idade de dança.
Não das danças disciplinadas e estruturadas dos grandes, não das danças lentas e tranquilas, mas das danças «selvagens», instintivas, excitantes, onde o que conta é abanar-se e agitar-se.
Os sentidos são as janelas abertas para os outros. Sem eles não poderíamos comunicar: cheirar, olhar, tocar, escutar, caminhar juntos.
Este estímulo a ir ao encontro dos outros, que nos animais explode com força na estação dos amores (basta olhar para as aves na Primavera: mudam de penas para chamar a atenção da companheira, cantam, dançam, lutam!), na espécie humana ultrapassa a necessidade de procurar uma companheira e torna-se na base da convivência humana.
Como seria a vida sem estes sentimentos? Seríamos como as plantas.
Mas nem sequer, porque parece que elas amam quem fala com elas, e gostam de ser acariciadas e mimadas. Seríamos como que blocos de cimento.A hostilidade e a amizade, o amor e o ódio, o egoísmo e o altruísmo, a tristeza e a alegria, a benevolência e a maldade, o desinteresse e o auxílio, a fidelidade e a infidelidade, a mansidão e a violência, a gentileza e a cortesia, tornam-se na adolescência componentes essenciais da «imagem de si».
Quem se encontrar connosco, depois de ter captado a nossa imagem corpórea, procurará perceber através do nosso olhar, da nossa boca, das nossas mãos, quais os nossos sentimentos. Aproximar-se-á se nos encontra acolhedores; fugirá de nós se nos vê ameaçadores, fechados, indiferentes. A riqueza dos sentimentos acabará por prevalecer sobre a beleza corpórea.Quantas «belezas fatais» e «belos fascinantes» têm o triste fim de um objecto que é usado e depois deitado fora, porque «dentro» não souberam construi nada!

Necessidade de carícias

Falemos agora das carícias. Não apenas as que são feitas com as mãos, mas também com todos os sentidos: ser escutados, valorizados, elogiados, compreendidos, encorajados: receber um sorriso, uma palmada nas costas; sentir que alguém se coloca junto de nós em silêncio.
O adolescente tem uma grande fome de carícias: não só de as receber mas também de as dar.
Aqui está a diferença em relação à criança: esta gosta apenas de as receber.
E o coração dentro do peito bate com força porque, como sucede com todas as coisas que adquirimos há pouco tempo, não está ainda em ordem, não há evidências e apanham-se desilusões, traições, aborrecimentos.
«Julgava que era a minha melhor amiga e, pelo contrário, falou mal de mim».«Julgava que lhe agradava e, pelo contrário, riu-se de mim com as suas amigas».
«Estava convencidíssima que me ajudaria e, pelo contrário, abandonou-me no pior momento!»
E chovem as desilusões drásticas: «Nunca mais acredito na amizade!». «A amizade verdadeira não existe!»
E depois vem de novo a pressa, o afã, a ânsia, como quando nos ofereceram a motorizada: nos primeiros dias estaremos sempre em forma.
Mas eis que vem de novo a angústia: Terei amigos sinceros? Haverá alguém que me quererá bem? Saberei querer bem?
Por que é que todos se cansam de mim? Por que é que todos se enamoram e eu não?

Gaivota e encrespado

E eis de novo os adolescentes no baloiço.
Agora voam leves como as gaivotas nas ondas dos sentimentos. Nesta fase, coleccionam-se paixonetas pelo professor, pelo rapaz que se acaba de ver pela primeira vez, pelo cantor famoso do póster afixado na parede do quarto.
Quem compraria os pósteres dos cantores, dos artistas, dos atletas, se não fossem os adolescentes? Cinco raparigas são capazes de «derreter-se» pelo mesmo rapaz. Procuram-se com afã amizades «verdadeiras». Aceitam-se com ardor iniciativas humanitárias e caritativas. Estão dispostos a sacrificar-se pelos pobres, os famintos, os leprosos, os drogados, os deficientes.
Depois, inesperadamente, chega a «hora da crise». E eis que os adolescentes não querem ouvir falar dos outros. Não acreditam na amizade e desconfiam do amor. Deixam as iniciativas a meio; deixam o grupo ou trocam-no por outro: tornam-se cépticos e trocistas.

É a criança que ainda mexe

Este baloiço entre um excesso e outro indica que a «criança» ainda não adormeceu bem e ainda mexe. Quais são os motivos que fazem acordar a «criança» que está dentro?
O capricho. Se quer entornar o copo de cristal e a mãe não lho permite, a criança berra e bate os pés. Se quer que aquele simpático rapaz seja simpático com ela e ele nem sequer a olha, a adolescente berra e bate os pés. Haverá muita diferença entre estes dois comportamentos?Se quer os bolos antes da sopa e a mãe não lhe faz a vontade, a criança faz barulho; se quer a motorizada ou a camisola de marca e os pais não o podem satisfazer, o adolescente faz barulho; ameaça fugir da casa; lamenta-se por não ser filho de outros pais que dão tudo.
Continuai vós com outros exemplos parecidos.
É o efeito hera, essa planta que se agarra a outras ou ao muro. Todos tendes diante dos olhos uma criança que desespera logo que a mãe o põe no chão, porque lhe tem de preparar a refeição. Não, ele quer estar ao colo ou agarrado à sua saia e, logo que ela se afasta, começa a chorar desesperadamente.
E o adolescente? Se o amigo ou a amiga não dão sinal de si durante um dia, entra imediatamente numa crise existencial: «Não se interessa de mim! Está-se nas tintas!» Se a amiga se cansou de lhe telefonar trezentas e sessenta vezes ao dia, lamenta: «Julgava que fosse uma verdadeira amiga!»
Se o amigo prometeu que iria passear com ela, mas pelo contrário foi com outras, vem o mau-humor, as portas batidas com força e as respostas tortas aos pais. É ainda a criança que mexe. A inveja. Quando nasce um irmãozinho, quantos problemas!
Tira-lhe a chupeta, arranha-o, tenta tirá-lo dos braços dos pais. É a inveja. A mesma devora os adolescentes. Uuuuh, é o fim do mundo se a amiga íntima se arrisca a andar duas vezes seguidas com uma outra! E se, além disso, está no meio um rapaz? Um sofrimento!…
E lembrai-vos que a inveja exprime-se também com o gosto de andar com o rapaz de uma outra. É ainda a criança que mexe e que, pelo contrário, deveria já estar calada.

O esforço de se tornarem amáveis

Se é preciso esforço para cuidar da própria imagem do corpo, tanto ou mais é preciso para cultivar os próprios sentimentos.
E isto, infelizmente, é um discurso difícil porque não cai num terreno já abundantemente arado da cultura corrente, como no caso do cuidado do
corpo.
Pelo contrário, o consumismo está a devorar os sentimentos e a reduzi-los a produtos «usa e deita fora». A amizade é um desodorizante; a simpatia é um par de jeans; a cortesia é uma bebida; o amor é um preservativo.
A adolescência é, sem dúvida, a idade que paga mais caro o preço da vulgaridade e da banalidade, porque é apanhada no tempo do germinar dos sentimentos.
A trivialidade de tantos filmes, canções, modas, são como os temporais para as flores de pessegueiro.
E um adolescente vulgar e vazio «é uma árvore que corre o risco de secar antes mesmo da floração».
É preciso reagir a esta moda que dá mais fealdade que a celulite, os furúnculos, a gordura a mais. Mas como se cultivam estes sentimentos?

A regra de ouro

Existe uma regra de ouro: faz aos outros aquilo que gostas que te façam a ti. Tu queres ser escutado, apreciado, estimado? Gostas que alguém te sorria, seja paciente, te peça desculpa?
Desejas que estejam junto de ti no momento da aflição, te perdoem, te compreendam, sejam delicados? Pois bem. Faz o mesmo aos outros… começando com os teus pais.
«O que é que têm os pais a ver com isto? »É precisamente na família que se pode verificar seriamente se «a criança» já está a dormir, porque é sobretudo aqui que se torna difícil instaurar uma relação de «reciprocidade», do momento que, até agora, apenas se recebeu.
Fazei rapidamente o confronto entre ocompor-tamento que tens com os teus amigos e o que tens com os pais.
O teu amigo está nervoso porque apanhou uma má nota em matemática. «É preciso compreendê-lo, coitado!»
E o teu pai que está nervoso porque foi humilhado no lugar de trabalho? Não precisa também de muita compreensão?
A amiga fez uma grande asneira: «É preciso perdoar-lhe, coitada, porque foi enganada pelo seu namorado!»
E a mãe, que está nervosa porque tem de trabalhar por quatro, não necessita de compreensão?
A família é o lugar onde se deve tirar a prova dos nove dos nossos sentimentos. Fazemos também aos pais e irmãos o que gostamos que nos façam a nós?

Os stop

É necessário respeitar alguns stop!
Amar os outros porque nos agradam e tiramos daí vantagens, e não porque são «os outros», não é amor.Amar-se a si próprios nos outros não é amar os outros, mas uma perigosa confusão.
Isto vale também para a relação «ele/ela». Quantos adolescentes se põem à procura do «rapaz/ rapariga» só porque os amigos o têm?
Neste caso, o «outro» torna-se numa flor para trazer na lapela, para fazermos boa figura diante dos outros. Rejeitar os comportamentos de «mercado». Os sentimentos são autênticos quando são gratuitos.
Sorrir ao professor para apanhar uma boa nota; acarinhar o rapaz para o roubar à amiga; ter amabilidades com os pais para poder sair depois de jantar… não é cultivar os sentimentos.
Evitar a vagabundagem. Mudar de amiga todos os dias ou de namorado/a todos os meses é manter o capricho infantil: divirto-me com o brinquedo novo durante meia-hora; depois ponho-o de parte e quero um outro.
O «Don Juan» e a «caçadora de homens» são adolescentes que não cresceram.
Para cultivar em nós os sentimentos autênticos, é necessária a paciência do agricultor que sabe esperar pacientemente o ritmo lento das estações.
Não se deixar aprisionar pelas «amizade-pântano». Não só é natural mas também útil ter dois ou três amigos íntimos.
Mas é extremamente prejudicial deixar-se prender por eles e, como «com aquela amiga que encontro às mil maravilhas», rejeitar a participação
em grupos maiores e em actividades comunitárias e sociais. Tal atitude seria muito empobrecedora.
As amizades «especiais» devem servir como «caminho» para contactos mais vastos e enriquecedores.

O pica-sentimentos

Como existe um picador de carne para fazer croquetes, também existe um sentimento capaz de reduzir todos os outros em bolos de carne: é a relação «Ele e Ela».
Calma, não arregaleis os olhos e não estendais as unhas! Tentarei explicar-me.
Há uma pergunta que é continuamente feita aos que vivem com os adolescentes.
É bom enamorar-se aos 15 anos? A resposta é complexa e é difícil fazê-la chegar à engrenagem do cérebro.
Mas tentemos, apesar disso, esclarecer o assunto. Enamorar-se aos 14, 15, 16 anos não só é um bem mas, na base de tudo o que foi dito, é inevitável. Mas… e há um mas.
Se o enamoramento é imediatamente encaminhado segundo o «modelo matrimonial» e os dois brincam «ao marido e à mulher», este acontecimento maravilhoso torna-se desastroso: mata todos os outros sentimentos!
O contacto sexual aos vários níveis é um facto extremamente envolvente e deve ser preparado com paciência e inteligência. Se uma pessoa começa a beber a aguardente a 76 graus, nunca conseguirá saborear um vinho delicado e espumoso.
Procurará sempre sensações mais fortes e chegará rapidamente à cirrose hepática.
Sei muito bem que este discurso, no contexto actual que reduziu o sexo a um simples produto de usar e deitar fora, não tem muitas possibilidades de êxito. Mas vós procurai ser espertos e não vos fiardes em ninguém. Olhai à vossa volta e meditai. Conheceis certamente um amigo ou um colega de escola vítima do pica-sentimentos. Pois bem.
Ide pedir-lhe para participar numa iniciativa humanitária a favor dos pobres, dos doentes, dos idosos. Responder-vos-á que não. Se do amor não nasce amor, quer dizer que aquilo que foi semeado não era amor, porque as sementes de melancia não podem dar nabos.
Concretizemos mais ainda.
Quantos companheiros/as de escola vós vistes deixar de estudar e a não se dar com ninguém, simplesmente porque mergulharam completamente na seu «louco» amor?Que tem a escola a ver com isto?
Abandonar ou descuidar a escola aos 15 anos é um sinal claro que alguns sentimentos são carentes: o amor para consigo próprio, o respeito para com as próprias capacidades em desenvolvimento, o sentido da própria dignidade. Quem, pelo contrário, se entrega ao pica-sentimentos, fecha os olhos para tudo e pensa apenas em si. Um enamoramento é autêntico se dá ânimo e entusiasmo a todas as actividades da vida.

No grupo como no ginásio

Vem ao de cima de novo a importância do grupo, que é para os sentimentos aquilo que o ginásio é para o corpo. Nele, todos os sentimentos encontram um lugar privilegiado para germinar e crescer: a simpatia centrífuga (para com os outros) e centrípeta (para consigo próprio), a compreensão, a escuta, o perdão, a colaboração, uma equilibrada agressividade, o calor de dar e de receber, a cortesia, a prudência.
No grupo encontra o terreno adequado para crescer e frutificar também fidelidade, um sentimento hoje muito em desuso e que, pelo contrário,
para felicidade de todos, deve ser valorizado.
Fidelidade aos empenhos, à palavra dada, aos amigos, ao namorado/a. Sobretudo a este último!
Há adolescentes que mudam de «amor» todos os meses, que brincam a roubá-lo aos outros, que se divertem alegremente em enganos e equívocos. Isto não é saber crescer.
«Mas as ladras e os ladrões do amor dos outros encontram-se também nos grupos! Mesmo nos religiosos!»Estas presenças, nos grupos, são úteis porque fazem discutir, habituam à vida, onde o «amor» não deve ser apenas encontrado, mas conservado com prudência e olho vigilante, a partir do momento em que ele não é um objecto que se traz ao pescoço, mas uma relação pessoal.

E Jesus permanece calado?

Jesus não terá nada a dizer aos adolescentes a propósito dos sentimentos? Sem dúvida. Tem a proposta para superar todas as crises e desânimos. «Amai os outros, como Eu vos amei», diz Jesus.
É inútil chorar por causa das amigas que atraiçoam e por causa dos amigos que nos gozam. De nada serve choramingar «por causa de uma verdadeira amizade que não exista».
É prejudicial refugiar-se no amigo ou amiga íntima, pois ele encontrará o seu amor e acabará por te deixar.
O importante é dar a todos a própria amizade; empenhar-se por se tornar o «próximo» de todos.
Como se poderá dizer que os amigos verdadeiros não existem, se não experimentei ainda ser um amigo verdadeiro?
«Mas isto é difícil!» Sim, mas não tanto, porque é dando que receberás. Quem espera que os amigos venham ter com ele como as moscas no
mel, acabará por ficar só. Quem, pelo contrário, não se cansar de dar amizade, nunca ficará sem
amigos. E dos verdadeiros.
É muito estimulante conhecer como Jesus viveu todos os sentimentos humanos: a alegria, a tristeza pelo abandono dos amigos, a dor pela morte de Lázaro e pela triste sorte da sua cidade, o desgosto por causa da ingratidão, a fidelidade até à morte, o respeito pelas mulheres, a compaixão pelos fracos.
Será ainda importante reflectir sobre o facto de que Jesus, para cultivar os seus sentimentos humanos, a primeira coisa que fez foi arranjar um
grupo de amigos.

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