Sabíamos o que é aprender, o que é brincar, o que é pisar o risco. Sabíamos também o que era a autoridade dos nossos pais, dos professores, do Director de Turma e principalmente do Director (ou Presidente do Conselho Executivo) da Escola.
Tudo era claro, havia regras que tinham de ser cumpridas e se não fossem sabíamos que teríamos um castigo adequado às circunstâncias.
A Escola do passado era perfeita? Penso que não, mas pelo menos era segura! Brincávamos no pátio, gozávamos a nossa liberdade quando algum professor faltava. Tínhamos tempo para conviver com os colegas, alguns dos quais se tornavam amigos para a vida.
Saíamos e entrávamos na escola sem ser necessário mostrar o cartão de estudante, porque o porteiro, que trabalhava lá há anos, conhecia-nos bem. Havia funcionários por todos os recantos da escola, e não dava para fazer muita coisa às escondidas. As situações eram prevenidas pela vigilância de pessoas em quem nós confiávamos, com quem às vezes confidenciávamos a nossa vida.
Quando um aluno era, por exemplo, suspenso era uma vergonha enorme para o próprio, pois toda a escola sabia o que lhe tinha acontecido. (Era lido em todas as turmas um comunicado da Direcção com o nome do aluno e o castigo que ele iria ter.) E nós compreendíamos que teríamos o mesmo destino se fossemos por maus caminhos.
Hoje a escola evoluiu muito. Sofreu reformas e contra reformas. Sofreu um choque tecnológico. A minha escola tem imensos computadores enviados pelo Ministério da Educação, que estão a apanhar pó, simplesmente porque a instalação eléctrica é antiga, e, começando a ligar vários computadores a luz vai abaixo. O que sobra em computadores falta em aquecedores, e professores e alunos têm de trabalhar em condições inacreditáveis, no século XXI, num país que se diz civilizado.
Instalaram-se câmaras de vidiovigilância, não para detectar situações de violência, mas para proteger os computadores para que nenhum larápio dê uso ao que não nos faz falta.
Em cada sala ainda existe uma campainha para chamar um funcionário. Curiosamente estamos quase no final de Janeiro e até hoje nunca ninguém me veio perguntar o que eu precisava depois de ter tocado insistentemente. Poderia até estar a ser agredida por alunos, que não era o caso, mas se fosse, ninguém me viria socorrer, disso tenho a certeza. Os funcionários são poucos, o trabalho muito, e vários são contratados e andam sempre a mudar de escola ou de emprego.
Mas temos de salientar as coisas positivas da escola actual, sem esquecer o Magalhães, é claro! Assistimos à renovação da face externa das escolas. Muitas são as que já entraram em obras. Contudo, curiosamente, ou não, começaram pelas escolas que estavam em melhor estado de preservação, as escolas de”elite”. Falo da realidade do Porto, que é a que melhor conheço.
Mas como reciclar as pessoas? A violência é que vai numa escalada, e poucos são os que se querem meter. “Enquanto não for nada comigo, deixa-os andar!”
Os alunos desrespeitam os professores, exercerem bullying sobre os colegas, mas não são castigados. Coitadinhos, não os podemos traumatizar! Alguns pais têm de se calar, pois são agredidos pelos próprios filhos em casa.
Que sociedade é esta que estamos a formar, em que reina a impunidade, e a autoridade é praticamente impossível de se exercer, pois as instâncias superiores, da Escola e do Ministério de Educação, não nos dão força para isso? Somos desautorizados todos os dias. E há alunos que ainda gozam: “Então professora, quando é que vamos ser castigados?”
Tenho saudades do meu tempo de estudante, em que admirava os meus professores, respeitava os meus colegas e podia ser eu mesma. Hoje, bem pior do que ser professora, é ser aluno. Pois os mais frágeis não conseguem sobreviver nesta selva e vivem apavorados. Quem é que consegue aprender, se está cheio de medo dos colegas, muitas vezes da própria turma?
O mais engraçado, se não fosse trágico, é que as escolas mais complicadas não têm psicólogo lá a trabalhar. E as tais, de “elite”, têm psicólogo a tempo inteiro.
Escola segura – procura-se!
Porto, 26 de Janeiro de 2010
Graça Borges