Ao poucos, e à medida em que nos é possível refletir sobre as mudanças que a pandemia provocou – ou precisa de provocar! – na Igreja – novas propostas se vão fazendo e redescobrindo.
Neste artigo, recordamos a série de livros “Mistérios da Fé” um itinerário de oração familiar a partir da recitação do terço. São da autoria da Teresa Power, fundadora do Movimento Famílias de Caná e são fruto da experiência concreta de oração diária da sua família numerosa com 9 filhos, um deles no céu.
É ela quem nos explica o que podemos encontrar neste itinerário que procura revitalizar a espiritualidade familiar.
OS PRINCÍPIOS
1. O mandamento da educação
Um dos mandamentos mais bem guardado pelo povo bíblico é aquele a que eu chamo “o mandamento da educação”. Surge no Deuteronómio e marca o ritmo e a vida dos judeus desde o início. Aliás, é graças a este mandamento que as Escrituras chegaram até nós, atravessando séculos e séculos sem a palavra escrita, sem a imprensa, sem a catequese formal. Diz assim:
“Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o nosso único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. E trarás no teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno. Tu as repetirás muitas vezes a teus filhos e delas falarás quando estiveres sentado em casa ou andando pelos caminhos, quando te deitares ou te levantares.” (Deut 6, 4-7) E acrescenta: “Quando amanhã teu filho te perguntar: ‘Que significam estes mandamentos, estas leis e estes decretos que o Senhor nosso Deus vos prescreveu?’, então responderás ao teu filho.” (Deut 6, 20-21)
Os primeiros cristãos levaram à risca este mandamento. Na sinagoga, que continuavam a frequentar, escutavam as profecias antigas e as histórias de Israel, fascinados por poderem constatar como Jesus as tinha verdadeiramente encarnado e cumprido. Os discursos dos Apóstolos nos Atos e em todas as Cartas insistem sempre neste ponto: Jesus veio para cumprir as Escrituras. Pedro, Paulo, João e todos os Apóstolos deleitavam-se na verificação de que Jesus realizava os belíssimos oráculos do Senhor e dava Corpo às mais antigas promessas feitas aos patriarcas. Certamente que os seus olhos brilhavam ao escutar as Escrituras antigas, agora que conheciam Jesus.
Entre todos os judeus maravilhados com a Encarnação das Escrituras em Jesus, ninguém ultrapassou o espanto orante da Sua Mãe. Maria, dizem-nos os Evangelhos, guardava no coração todos os detalhes da vida do seu Filho. As palavras dos salmos e dos profetas vinham-lhe naturalmente à memória ao contemplar cada episódio da vida de Jesus, e toda Ela transbordava gratidão ao ver cumprirem-se as Escrituras diante dos seus olhos extasiados.
Todos os dias, na missa, é-nos oferecido um Evangelho que vem iluminar oráculos antigos, canções, lendas, narrativas, contos, e História, a que chamamos Antigo Testamento. Entre um e outro, cantamos os salmos e o Hallel, como os judeus faziam e fazem até aos dias de hoje, para que tudo se transforme em oração.
O que foi que, entretanto, aconteceu? Quando foi que deixámos de contar as histórias novas e velhas aos nossos filhos, de transmitir a doutrina e a Palavra ao redor da mesa familiar? A verdade é que, quando “o mandamento da educação” perdeu a sua força, os filhos deixaram de saber o que perguntar, e os pais, o que responder. A Igreja Doméstica adormeceu.
A grande maravilha do Evangelho é que, para Deus, estamos sempre a tempo. Temos, como todas as gerações, o modelo perfeito para imitar e recuperar: a Mãe.
Na minha casa foi assim que tudo começou…
2. Os mistérios bíblicos
Hora da oração familiar. Neste recanto acolhedor onde nos reunimos, diante de uma imagem de Maria com o Menino, um crucifixo, uma vela acesa e uma Bíblia aberta, preparamo-nos para rezar o Terço.
“Mãe, qual é a história hoje?” Perguntam os mais novos. E eu respondo que, hoje, é a história do nascimento de Jesus, ou a história da sua Paixão, ou talvez alguns episódios da sua vida pública, ou ainda, a história do que se passou a partir da sua Ressurreição. Cada conjunto de cinco mistérios conta uma história. Saberemos contá-la, nós também, assim partida em episódios pequeninos, aos nossos filhos? Saberemos escutá-la ao ritmo das ave-marias?
Mas as perguntas não terminam aqui. Porque cada mistério da vida de Jesus traz em si o pleno cumprimento de mistérios antigos, vividos por tantos outros personagens bíblicos. Com um bocadinho de atenção, de pesquisa, de oração, iremos aprender a relacioná-los. Quando o conseguimos, o espanto torna-se contemplação: Jesus é, realmente, a encarnação das Escrituras antigas!
Sobretudo, a nossa própria vida, também ela apanhada no enredo desta magnífica aventura bíblica. Vamos a isso?
Tal como as Escrituras, também “Os Mistérios da Fé” foram primeiro Palavra vivida, desembrulhada com simplicidade no nosso cantinho de oração, serão após serão, quando nos reuníamos para rezar. A pesquisa que, durante o dia, eu ia fazendo, partilhava-a nesta hora sagrada, contagiando a família com o meu espanto: “Não imaginam o que hoje descobri!” Só mais tarde, estas descobertas familiares foram fixadas na escrita e, mais tarde ainda, num livro que podemos consultar e usar nas nossas casas.
Para cada mistério, procurei nas Escrituras uma história antiga, uma promessa sagrada que Jesus viria, mais tarde, cumprir. A vida de Jesus deixa-se assim iluminar pela vida de algum rei, profeta, patriarca ou guerreiro antigo, e a vida destes heróis bíblicos ganha novos contornos à luz que sobre ela derrama o Evangelho. Ambas as passagens bíblicas se tornam então para nós num espelho divino, onde podemos contemplar a nossa própria vida e tomar consciência da missão a que fomos chamados.
Um mistério, três histórias:
a) uma da vida de Jesus,
b) uma de algum outro personagem bíblico,
c) a minha própria história.
Vinte mistérios, e a nossa viagem atravessa os quatro Evangelhos e a maior parte dos outros livros da Bíblia, do Génesis ao Apocalipse, dos Salmos aos Profetas, dos Reis aos Atos.
Temos, então, um livro precioso entre as mãos. Como o podemos utilizar?