6. Meditação
Interrogantes que não deviam inquietar. “Que fiz eu de mal para merecer este castigo? Jesus responde: “nada, não fizeste nada”. Deus é amor e o amor não conhece outro castigo a não ser castigar-se a si mesmo. Deixa de pensar que a existência se desenrola na sala de um tribunal. Deus não passa a sua eternidade em condenações ou em vinganças.
«Onde estava Deus?», interrogamo-nos todos, no dia da dor incompreensível ou quando o cancro aparece no nosso corpo.
O Salmo 56 responde assim: Deus está no reflexo mais profundo das lágrimas, recolhe-as uma a uma, para que nem sequer uma gota de dor fique perdida, conserva-as: «No teu odre recolhe as minhas lágrimas» (V 9). O Senhor conserva as lágrimas do homem; são preciosas aos seus olhos. São sagradas. São tesouro de Deus. Recolhidas pelas suas mãos, transformam-se em gemas de luz. Um imenso arquivo de lágrimas é guardado junto do Pai. De lágrimas, não de pecados. A eternidade de Deus é enxugar todas as lágrimas do rosto de cada homem (Ap 7,17) (A esperança que nasce da Palavra).
7. Oração
Frutos possíveis dum “talvez”. Hoje rezo-te, Senhor, diante de tantos “talvez” que deixei à borda do caminho, numa noite de sonho, numa decisão imperiosa que tomei e que tanto me fez sofrer. Sabes, Senhor? Decifrar caminhos é sempre complicado, sobretudo quando têm que definir uma vida. Depois, depois já não posso voltar atrás. Há que acreditar na Tua ajuda, numa chance que me dás para nascer de novo, para colocar novamente a minha figueira a dar figos saborosos, dourados, gretados pelos raios de sol para servir de alimento aos passarinhos. Eis-me aqui para a cavar, aconchegar-lhe a terra. Festa da vida para os irmãos meus da nossa mãe natureza. “Talvez venhas a dar frutos”. Esta é a tua expetativa. Acredita nos frutos que a minha figueira virá a dar. A minha revisão de vida nesta Quaresma que já vai a meio.
8. Contemplação
Tira as sandálias dos pés, sai do conforto e segue a aventura
De novos caminhos. Sou Eu que te ordeno.
Eu, o Deus de Abraão…, de Isaac…, de Jacob…
O Deus da história que marca rotas, estradas, sendeiros, caminhos, desertos.
Caminha com o teu próprio ritmo.
Persegue os teus sonhos e ideais que estão sempre mais além.
Aceita o ritmo da mudança. Não pises areias movediças.
Aponta para a profundidade do coração, aí onde habita a felicidade.
O Deus camponês da parábola da figueira preocupa-se com a tua leira,
a terra regada, o rebento que irrompe com ímpeto, a flor que desabrocha
mesmo no meio da ventania, a água que rega a árvore pelo pé,
a nascente que irrompe com água cristalina do seio da terra.
Liga-te convictamente à glória da cruz, onde brilha o Evangelho autêntico.

8.1 Poema
Parábola da figueira
Senhor, deixa-a ainda este ano,
para que eu possa escavar a terra
em volta e deitar-lhe estrume.
Se der frutos na próxima estação, ficará;
senão, cortá-la-ás” (Lc 13,8-9)

Drama no homem pobreza na terra
Árvore seca sem cor sem clorofila,
Jardim colorido árvore sem vida
Nostalgia dormente nela encerra.

Lá longe a flauta acorda a serra
Melros cotovias rolinhas cantam
Uma vida de luxo a natureza espanta
Sem perceber o drama da mãe terra.

Porque dormes figueira espantalho?
Porque à natureza não pedes agasalho?
Aí inerte com teu código de morte
À tua volta geras aos teus má sorte.

Deus clemente e paciente despertai,
Acordai nossas figueiras dormentes.
Dai-nos a chuva miudinha da graça
Às nossas almas nunca virá a traça.

E virá o rio, o sol, braço do criador
Se aproximará e lhe dará amor.
Haverá abundantes dourados figos
À volta da figueira se reunirão amigos.

Deus da esperança, ano a ano tu virás
Trabalharás a minha horta
as minhas ilhas.
Crescerei e tu de novo me revestirás
Da primavera ao inverno, de maravilhas!

Como conhecerei o teu verdadeiro amor
de outros amores?
Pelo seu chapéu de viajante,
pelo seu bordão,
pelas sandálias dos seus pés
()
J. Rocha Monteiro in “Manhãs abertas”

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