A Família, um bem necessário e insubstituível
Nota Pastoral da Comissão Episcopal da Educação Cristã para a Semana Nacional da Educação Cristã (1 – 8 de Outubro de 2006)
1. De 1 a 8 de Outubro próximo, decorrerá a Semana Nacional da Educação Cristã. É uma ocasião para os educadores cristãos, especialmente os pais e quantos a eles se associem, neste período particularmente favorável de início de mais um ano de actividades, reflectirem sobre a importância da educação e assumirem as responsabilidades próprias da missão que desempenham. Desejamos que o façam pessoalmente e com outros, promovendo as necessárias e variadas iniciativas, nesse sentido.
Escolhemos para tema desta Semana Nacional a família, devido à sua permanente actualidade e intrínseca relação com a educação, e acolhendo, simultaneamente, o repto dirigido pelo Santo Padre Bento XVI no recente Encontro Mundial das Famílias: Proclamar a verdade integral da família, fundada no matrimónio como Igreja doméstica e santuário da vida, é uma grande responsabilidade de todos (Bento XVI, Palavras do Santo Padre durante a Vigília de Oração. Valência (V Encontro Mundial das Famílias), 8 de Julho de 2006. www.vatican.va).
2. A desvalorização da família institucionalizada e a pretendida equivalência à instituição familiar, de relações afectivas não apoiadas no vínculo do matrimónio, com duração e grau de compromisso variáveis e sem contar, forçosamente, com a distinção e a complementaridade dos sexos, é uma das emergências do nosso tempo, que pode influenciar a mentalidade das pessoas, incluindo a dos próprios cristãos.
A realidade e a natureza da família não são o resultado de meras circunstâncias sócio-temporais. O seu fundamento é antropológico: Matrimónio e família não são, na realidade, uma construção sociológica casual, fruto de particulares situações históricas e económicas. Ao contrário, a questão da justa relação entre o homem e a mulher afunda as suas raízes dentro da essência mais profunda do ser humano e pode encontrar a sua resposta só a partir dela (Bento XVI, Discurso do Papa Bento XVI na abertura do Congresso Eclesial Diocesano na Basílica de S. João de Latrão. Roma (Congresso sobre a Família), 6 de Junho de 2005. www.vatican.va).
Este radicar da família na natureza dos seres criados é redimensionado pela relação com o próprio Deus Criador e Redentor: criados à imagem e semelhança de Deus, que é amor, o homem e a mulher tornam-se semelhantes a Deus na medida em que amam (Cf. Ibid.).
Mas, existe também o vínculo entre pessoa e instituição, como sublinha o Papa no já citado discurso: A totalidade do homem inclui de facto a dimensão do tempo, e o «sim» do homem é um ir além do momento presente: na sua inteireza, o «sim» significa «sempre», constitui o espaço da fidelidade. Por isso, a verdadeira expressão da liberdade é a capacidade de decidir por uma doação definitiva, na qual a liberdade, doando-se, se reencontra plenamente a si mesma; e o matrimónio como instituição não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, é, ao contrário, exigência intrínseca do pacto de amor conjugal e da profundidade da pessoa humana (Ibid.).
3. Neste sentido, e constatando as dificuldades inerentes à construção de um agregado familiar fundado no matrimónio indissolúvel entre um homem e uma mulher, não podemos deixar, com o Santo Padre, de proclamar e testemunhar que é a família o espaço ideal do acolhimento da vida, do crescimento harmónico, do desenvolvimento integral e da vivência do amor humano como reflexo do amor de Deus pela humanidade. A família é um bem necessário para os povos, um fundamento indispensável para a sociedade e um grande tesouro dos esposos durante toda a sua vida. É um bem insubstituível para os filhos, que hão-de ser fruto do amor, da doação total e generosa dos pais (Bento XVI, Palavras do Santo Padre durante a Vigília de Oração. Valência (V Encontro Mundial das Famílias), 8 de Julho de 2006).
Congratulamo-nos com o testemunho de tantos cristãos que procuram ser fiéis a estas e outras palavras do Santo Padre: cristãos que, em ambientes sociais nem sempre favoráveis, cultivam o sentido da família, na fidelidade aos ideais e às responsabilidades do matrimónio, assumindo as alegrias, as dificuldades e as surpresas da vida como caminhos de santidade que percorrem confiantes, deixando-se permear pela acção libertadora da graça de Deus. Mas realçamos, também, o esforço e a coragem de quantos, depois da experiência dolorosa de matrimónios fracassados, se preocupam, na medida do possível, por se manterem fiéis aos valores da família e, no campo da educação, procuram os meios de melhor qualidade para os seus filhos, no esforço por superar os riscos da dispersão afectiva e do confronto com uma multiplicidade de valores e critérios a que os mesmos ficam tantas vezes sujeitos, nos novos agregados que os pais e as mães muitas constituem.
4. A educação, entendida globalmente como o contributo para o desenvolvimento integral da pessoa, é um processo que conta, primeiro que tudo, com o protagonismo do educando que, no exercício da sua liberdade, faz opções, assume valores e descobre um sentido para a vida. Mas, neste processo educativo, é também indispensável o contributo de diversas pessoas e organismos. Destaque especial merece a família, como instituição educativa primeira e insubstituível. De facto, a família, particularmente se fundada no matrimónio religioso que consagra o amor do homem e da mulher, é o núcleo básico e estruturante da sociedade. Dela depende a vitalidade e a consistência do tecido social, a saúde e o equilíbrio da pessoa.
Na família, são os pais os primeiros responsáveis pela educação dos filhos, tanto no campo meramente humano como no âmbito mais especificamente cristão. Mas, quer a um quer a outro nível, os pais, e com eles a família, necessitam de outras instâncias que, numa linha de complementaridade e colaboração, contribuem para a educação dos seus filhos.
Esta educação realiza-se de forma natural e espontânea, através da palavra e sobretudo da vivência cristã quotidiana que os pais proporcionam no interior dos seus lares, testemunhando a fé, a esperança e a caridade, e rezando em família. Para isso, podem contar cada vez mais com os avós, como membros da mesma família. Os avós, com uma esperança de vida cada vez maior, e com mais disponibilidade de tempo, podem dar um valioso contributo para a educação dos netos, em particular no que respeita ao despertar da fé e à transmissão das tradições religiosas e cristãs, enriquecendo-os, além disso, com a sua disponibilidade, afecto e experiência de vida acumulada.
5. Entre os meios educativos subsidiários da família, sobressai, pela sua importância, a escola. A cooperação entre a família e a escola, traduzida numa conjugação de esforços que respeite a especificidade e a autonomia de cada uma, é condição indispensável para o êxito formativo e o sucesso escolar das crianças e dos jovens.
Alertamos os pais e encarregados de educação para a necessidade de manterem com a escola relações de diálogo e de participação nas suas actividades, colaborando na elaboração e execução do projecto educativo e integrando as estruturas previstas pela legislação.
Aos professores, particularmente aos de Educação Moral e Religiosa Católica e aos responsáveis pela gestão escolar, chamamos a atenção para a importância de assumirem as suas tarefas como serviço ao desenvolvimento e formação dos alunos. Isso implica que não sejam meros transmissores de conhecimentos, executores de estratégias pedagógicas ou simples técnicos administrativos. A alma da educação reside no testemunho dos mestres, que, por palavras e pela prática de vida comunicam uma sabedoria tecida de valores e critérios éticos. E os cristãos encontram na comunhão com Deus a fonte inesgotável dessa sabedoria.
A educação na escola requer, também, acolhimento e diálogo com as famílias, escuta e resposta às suas necessidades e propostas, e realização de programas de cooperação com as famílias e a comunidade, dando especial atenção às situações de risco, de pobreza e de marginalidade.
6. É aos pais cristãos que, em primeiro lugar, incumbe a educação dos filhos na fé. São eles que mais podem contribuir pela palavra e pelo testemunho, para que os filhos despertem para a fé, dom de Deus transmitido no baptismo, e progressivamente a assumam e professem em liberdade e responsabilidade como acto pessoal.
Mas, se a transmissão da fé é um dever de que os pais não podem abdicar nem simplesmente delegar a outras pessoas ou instituições, também é verdade que não o podem nem devem cumprir por si sós. Necessitam da ajuda da Igreja: A edificação de cada família cristã individualmente, coloca-se no contexto da família mais ampla da Igreja, que a ampara e leva consigo, e garante que existe o sentido e que haverá o «sim» do Criador (Bento XVI, Discurso do Papa Bento XVI na abertura do Congresso Eclesial Diocesano na Basílica de S. João de Latrão. Roma (Congresso sobre a Família), 6 de Junho de 2005).
Neste sentido, é indispensável articular e alimentar a vivência familiar das crianças e dos jovens com a participação na comunidade cristã e a cooperação com a acção dos catequistas e dos sacerdotes.
Convidamos os catequistas a aprofundar o serviço eclesial que prestam como testemunhas de Cristo Vivo, a procurar a formação adequada e a proporcionar às crianças, aos jovens, aos adultos e às famílias, a experiência e a integração na vida da comunidade cristã. Tenham na devida conta que, na catequese, a componente doutrinal tem de ser acompanhada do testemunho de uma vida pessoal de intimidade com Deus, alicerçada na oração e na frequência dos sacramentos, designadamente a Eucaristia.
Aos sacerdotes, particularmente aos párocos, apelamos a que coloquem, entre as suas primeiras prioridades pastorais, as seguintes: a catequese em todas as idades, atendendo à necessidade de acolhimento e de respostas adequadas à diversidade de situações, e ao empenho pessoal na selecção criteriosa de catequistas e na sua formação; a família, dando especial atenção aos casais jovens, que requerem propostas pastorais específicas e inovadoras; e o ensino, empenhando-se na sensibilização das crianças, dos jovens e das famílias para a matrícula em Educação Moral e Religiosa Católica, no diálogo com as escolas e no acompanhamento dos professores.
Celebramos hoje o nascimento da Virgem Santa Maria, cuja vida, a começar pela que teve na Família em que nasceu e cresceu, ilumina toda a Igreja. De todo o coração Lhe pedimos que nos ajude com a sua intercessão junto do seu Filho Jesus Cristo.
Lisboa, Festa da Natividade da Virgem Santa Maria,
8 de Setembro de 2006