Fundamentalismo e martírio

Uma interessante entrevista sobre o fundamentalismo islâmico e a situação dos cristãos. Da agência Zenit





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Entrevista com o professor Robert Royal

NOVA YORK, segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006 (ZENIT.org).-
Ainda que se acreditava que o martírio pertencia aos primeiros tempos do
cristianismo, nunca foi tão atual como em nossa época, em particular entre os
ambientes do fundamentalismo islâmico.

É a preocupação que expressa o professor Robert Royal, autor em 2002 do livro
«Os mártires do século XX. O rosto esquecido da história do mundo» (Ed.
Ancora, Itália: «I martiri del ventesimosecolo. Il volto dimenticato della
storia del mondo»).

Houve mais mártires no século passado que em qualquer outro momento da era
cristã. Mas o professor Royal observa que o derramamento de sangue nos
primeiros anos do terceiro milênio não faz pressagiar uma inversão da tendência.

A isso contribui o fundamento islâmico, capaz de transformar há uma semana um
rapaz de 16 anos no suposto assassino de um sacerdote indefeso na Turquia, o
padre Andrea Santoro. O jovem turco confessou que foi impulsionado pelo ódio
suscitado pelas charges de Maomé publicadas em imprensa ocidental, as quais
levaram ultimamente a violentos protestos em vários países muçulmanos.

Vistos os últimos acontecimentos, o jornal católico «Avvenire» entrevistou o
professor Royal (presidente do «Instituto Fé e Razão» (Faith & Reason
Institute) com sede em Washington DC.

–Professor Royal, que reações provoca quando fala de «mártires» a um público
contemporâneo?

–Robert Royal: É um conceito difícil de entender, inclusive para os católicos.
Pensa-se que é algo que podia ocorrer só nos tempos dos primeiros cristãos,
dentro do Coliseu, e que já não sucede. Mas em números nunca o martírio foi
tão atual.

–O que o faz acontecer hoje?

–Robert Royal: Em meu livro assinalava para a natureza ideológica do século
recém-concluído. Mas ultimamente notei uma tendência preocupante que talvez
dentro de alguns anos será clara em toda sua gravidade. É o ressentimento de
muitos fundamentalistas muçulmanos com respeito aos ocidentais e a facilidade
com a qual é instrumentalizado por líderes e regimes radicais.

–Poderia dar um exemplo?

–Robert Royal: Observe-se a própria Turquia. Sempre foi perigosa para os
sacerdotes católicos. Ainda que se defina um regime secular, de fato a tolerância
com respeito aos cristãos é muito baixa. Portanto, não me surpreende que a
Turquia tenha sido cenário do assassinato do padre Santoro. Mas este caso
mostra o tipo de degeneração de acontecimentos que poderíamos seguir vendo no
futuro próximo, por causa da crescente tensão entre Oriente e Ocidente. Revela
que há muitos fanáticos, neste caso muçulmanos dispostos a recorrer à violência
diante da mínima provocação.

–A quando se remonta esta tensão? Precede o “11 de setembro” e a invasão
do Iraque?

–Robert Royal: Em minha opinião sim. Um exemplo claro é o assassinato de John
Joseph, bispo de Faisalabad, no Paquistão, morto em circunstâncias misteriosas
em maio de 1997, que reflete uma modalidade que se está representando com freqüência.
Isto é, um regime que faz quase impossível para os não-muçulmanos encontrar
trabalho ou participar da vida pública e de fato cria um clima no qual sua
perseguição é legítima. É uma forma de islamização forçada, de campanha
pela «pureza religiosa» comum já em muitos países muçulmanos. Não todos os
estudiosos do Alcorão ou os religiosos muçulmanos a justificam, mas a pressão
dos fundamentalistas se faz cada vez mais forte.

–Quais são os países onde os cristãos correm mais risco?

–Robert Royal: Um é certamente a Arábia Saudita, que tem ainda maior rigidez
que o Paquistão. Aí qualquer expressão pública de fé cristã está proibida
e em teoria se pode ser preso por orar na própria casa. Quando os americanos
estiveram na Arábia Saudita durante a primeira guerra do Golfo, por exemplo,
foi-lhes ordenado que não rezassem antes das batalhas. E ali, como em quase
qualquer parte do mundo muçulmano que se converta ao cristianismo, pode-se
castigar por esta conversão à morte. Mas os direitos dos cristãos são
violados regularmente e por lei em Kuwait, Qatar, Omã, Emirados Árabes e
Turquia. E as coisas estão piorando. Vejo, por exemplo, explosões de violência
anticristã também no Egito, além de, naturalmente, no Iraque.

–Então crê que nos próximos anos o martírio de cristãos ocorrerá mais
no mundo árabe-muçulmano?

–Robert Royal: Também estão a China e a Coréia do Norte, e existem ameaças
nos próprios países ocidentais. Em muitos países europeus, assistimos ao
nascimento de movimentos anticristãos e anti-religiosos que podem ser muito
violentos. E não se pode esquecer que no mundo islâmico surgem continuamente
também oportunidades de diálogo. Mas é um diálogo muito difícil, que choca
constantemente com a vontade dos regimes de explorar qualquer ocasião para
impulsionar as massas à violência antiocidental.

–Considera que o ódio nestes países se dirige aos cristãos enquanto tais
ou como ocidentais?

–Robert Royal: Em muitos países do mundo islâmico esta distinção não
existe. O sentimento antiocidental estende-se a americanos e europeus, judeus e
cristãos. Os religiosos como o padre Santoro são vistos como representantes
dos governos ocidentais, de igual forma que no mundo islâmico religião e política
são a mesma coisa. É um ódio que nasce de um sentimento de profunda humilhação
que funde suas raízes na história do século passado, a partir da Primeira
Guerra Mundial. Mas agora o ressentimento é pulsante. Naturalmente há muitas
razões para refletir sobre o comportamento do Ocidente com respeito ao Oriente
Médio, mas a diferença é que os cristãos estão dispostos ao diálogo,
enquanto que em muitos países islâmicos o clima está demasiado envenenado
para permitir uma discussão honesta e em igualdade. Basta dizer que ainda que
é verdade que as charges sobre Maomé são blasfêmias para um muçulmano, as
caricaturas e os artigos anticristãos e antijudeus estão na ordem do dia nos
jornais árabes, mas poucos estão dispostos a reconhecer isso.

[Traduzido por Zenit]

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