Pela vida 2

Há dias, D. José Policarpo emitiu um comunicado onde explica a sua posição sobre o referendo ao aborto que aí vem.
Colocamo-lo aqui para esclarecimento e para ajudar a arrumar as ideias.

COMUNICADO

D. JOSÉ DA CRUZ POLICARPO, CARDEAL-PATRIARCA DE LISBOA, ESCLARECE POSIÇÃO QUANTO AO ABORTO

As minhas respostas à comunicação social, que me interpelou sobre a hipótese de um novo referendo sobre o aborto, foram incorrectamente utilizadas por alguns meios de comunicação e mesmo por forças políticas e parecem ter gerado confusão e mesmo indignação em algumas pessoas. Parece-me, pois, necessário retomar as afirmações aí feitas, com uma clareza que não permita interpretações ambíguas ou desviadas.

1. Comecei por afirmar, o que parece que ninguém ouviu, que a doutrina da Igreja sobre esta matéria, não mudou e nunca mudará. De facto, desde o seu início, a Igreja condenou o aborto, porque considera que desde o primeiro momento da concepção, existe um ser humano, com toda a sua dignidade, com direito a existir e a ser protegido.

2. Afirmei, de facto, que a “condenação do aborto não é uma questão religiosa, mas de ética fundamental”. Trata-se, de facto, de um valor universal, o direito à vida, exigência da moral natural. Com esta afirmação não foi minha intenção negar a sua dimensão religiosa. A mensagem bíblica assumiu, como preceito da moral religiosa este valor universal, dando-lhe a densidade do cumprimento da vontade de Deus. Não é só por se ser católico que se é contra o aborto; basta respeitar a vida e este é, em si mesmo, um valor ético universal.

É claro que o respeito pela vida é uma exigência da moral cristã, porque está incluído no quinto mandamento da Lei de Deus: “Não matarás”. Porque é um preceito da moral cristã, violá-lo é um pecado grave. Mas o Decálogo, estabelecido, pela primeira vez no Antigo Testamento, por Moisés, consagrou como Lei do Povo de Deus, alguns dos valores humanos universais, que interpelam a consciência mesmo de quem não é religioso. E de facto, na presente circunstância, há muitos homens e mulheres que, não sendo crentes, são contra o aborto porque defendem a dignidade da vida, desde o seu início.

Se a condenação do aborto fosse só exigência da moral religiosa, os defensores do aborto poderiam argumentar, e já o fazem, que as Leis de um Estado laico não devem proteger os preceitos religiosos; basta-lhes respeitar a liberdade de consciência. De facto não lembraria a ninguém exigir de uma Lei do Estado que afirmasse, por exemplo, que os católicos têm obrigação de ir à missa ao Domingo. Se nós lutamos por uma Lei do Estado que defenda a vida humana desde o seu início é porque se trata de um valor universal, de ética natural e não apenas de um preceito da moral religiosa.

3. À pergunta se a Igreja se iria empenhar nesta campanha, comecei por clarificar o sentido em que usavam a palavra “Igreja”, se referida a todos os fiéis, se apenas aos Bispos. Isto porque, muito frequentemente, os jornalistas quando falam da Igreja se referem só aos Bispos e Sacerdotes. Esclarecida esta questão, aproveitei para exprimir aquilo que penso ser o papel complementar dos leigos e da Hierarquia numa possível campanha a preparar o referendo. Devo dizer, agora, para clarificar o meu pensamento, que essa possível campanha deveria ser, sobretudo, um período de esclarecimento das consciências. Mas porque a proposta de leis liberalizantes da prática do aborto se tornou numa causa partidária, a campanha pode cair, na linguagem e nos métodos, numa vulgar campanha política.

Fique claro que todos os membros da Igreja e todos os que defendem a vida são chamados a participar nesse debate esclarecedor das consciências. Compete aos leigos organizar e dinamizar uma campanha, no concreto da sua metodologia. O papel dos pastores é apoiar, e iluminar as consciências com a proclamação da doutrina da Igreja, anunciando o Evangelho da Vida. Aos Sacerdotes da nossa Diocese eu peço que se empenhem nesta proclamação da doutrina da Igreja sobre a vida, mas que saibam sabiamente marcar a diferença entre o seu ministério de anunciadores da verdade, e as acções de campanha, necessárias e legítimas no seu lugar próprio. Mas os leigos poderão contar com todo o nosso apoio nesta luta por uma Lei que respeite a vida.

4. Não fiz a apologia do abstencionismo. Aconselhar a abstenção não será, concerteza, a orientação dos Bispos portugueses perante um possível referendo. A questão que me foi posta é outra: e os que têm dúvidas, como deverão votar?

Esta questão da dignidade da vida humana, desde o seu início, é hoje tão clara, mesmo do ponto de vista científico, que um dos objectivos a conseguir, durante o período de debate e esclarecimento é, pelo menos, lançar a dúvida em muitos que, talvez sem terem aprofundado a questão, estão inclinados a dizer “sim” à proposta de Lei referendada. Penso sobretudo no eleitorado mais jovem. Foi-me perguntado o que aconselharia a esses que duvidavam. A minha resposta é clara: se não têm coragem de votar “não”, que pelo menos se abstenham.

5. Àqueles que interpretaram abusivamente as minhas respostas ou, porque não as entenderam, ficaram confusos, aqui fica, com clareza, o meu pensamento. Mais uma vez se aplica a frase de Jesus: “A verdade nos libertará”.

Lisboa, 19 de Outubro de 2006

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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